Crítica | Festival

Basileia

Promessa de tensão

A névoa que envolve Aspromonte, o silêncio cortado por ruídos da natureza e a presença de algo ancestral que parece atravessar o tempo constroem um cenário que poderia sustentar uma narrativa hipnótica. Há força nessa atmosfera, como se cada pedra, cada galho e cada sombra guardassem um segredo à espera de ser revelado. Mas a promessa não encontra equivalente na condução da história. Basileia avança como se houvesse tensão constante no ar, mas raramente a concretiza, preferindo movimentos circulares que deixam a sensação de não chegar lá.

Os personagens transitam por esse espaço como figuras que carregam significados profundos, mas o roteiro não se dedica a explorar suas personas. O arqueólogo que abre a tumba é o ponto de partida, mas não se impõe como centro dramático. Ao redor dele, surgem figuras que entram e saem com a mesma fluidez da neblina, existindo mais como símbolos de um mundo místico do que como pessoas capazes de transformar e serem transformadas. Falta fricção entre eles e o ambiente, falta a sensação de que suas decisões têm peso real.

O ritmo é irregular compromete a experiência. Momentos de contemplação quase paralisada, nos quais a fotografia e a luz criam composições de rara beleza, se alternam com passagens que tentam intensificar o conflito, mas que chegam sem o acúmulo necessário para gerar impacto. Essa oscilação não constrói tensão, ao invés disso, quebra a imersão. É como se o filme estivesse dividido entre permanecer no campo do sensorial e avançar para um conflito direto, sem conseguir alcançar nenhuma das duas intenções.

Ainda assim, há mérito na construção visual. A luz é trabalhada com rigor, a fotografia valoriza a densidade da paisagem e o som, em alguns momentos, transforma a natureza em presença que observa e reage. Há enquadramentos que poderiam existir sozinhos e que revelam o talento de Isabella Torre e de sua diretora de fotografia, Melanie Akoka, para criar imagens carregadas de atmosfera.

Basileia é mais marcada pelo que se vê do que pelo que se sente. Existe um mundo pronto para ser habitado, mas a forma como os personagens se movem nele e a cadência irregular da narrativa impedem que a experiência alcance a intensidade que a atmosfera inicial promete.

Um grande momento
No convento

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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