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Simpatia pelo Diabo

Com a guerra no sangue

( Sympathie pour le diable, FRA, CAN, BEL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Guillaume de Fontenay
  • Roteiro: Guillaume Vigneault, Guillaume de Fontenay, Paul Marchand, Jean Barbe
  • Elenco: Niels Schneider, Vincent Rottiers, Ella Rumpf, Arieh Worthalter, Clément Métayer, Elisa Lasowski, Martin Swabey, Diego Martín, Adnan Omerovic
  • Duração: 100 minutos

Na primeira cena de Simpatia pelo Diabo, o protagonista Paul Marchand se esfrega no banheiro em uma tentativa de banho com mínima quantidade de água. Essa sequência não só denota um dos muitos temas pelo qual o drama de guerra incorre, como tenta amenizar a personalidade difícil do personagem, um jornalista correspondente em Sarajevo nos anos 1990 que escreveu a própria biografia que serviu de base para o longa. Essa aproximação para o frágil não traduz por completo o homem que conheceremos pela próxima hora e meia, de camadas múltiplas, e que está inserido em mais uma produção a tratar da atração que a guerra exerce sobre alguns seres.

Títulos como Guerra ao Terror, Sniper Americano e Mais Forte que Bombas, entre muitos outros, têm colocado a par a relação de homens e mulheres que vão além do vício na adrenalina, mas na próprio perigo, na ânsia do front e da tentativa de mudar algo ao seu redor – sejam essas motivações acertadas ou não, empáticas ou não. Assim como no longa de Joachim Trier, aqui o enfoque é no trabalho da imprensa e do seu aporte em zonas de conflito, aqui na figura de Marchand, jovem francês que percorreu inúmeros territórios de combate e escreveu sobre eles como jornalista e posteriormente como escritor.

Simpatia pelo Diabo

Esse é o primeiro longa do diretor e roteirista Guillaume de Fontenay, que agrega novas motivações ao desenho do seu protagonista para ampliar essa ideia já explorada em outros longas. Sim, Marchand era também um adicto, mas a essa característica, sua humanidade, seu senso de justiça, seus ideais, sua amarga ironia, seu destemor diante do Estado, da Imprensa e da Guerra, se colocando como defensor dos humanos, é realçada pelo diretor e pela interpretação vigorosa de Niels Schneider (de Sibyl), que não esconde um defeito sequer do anti-herói, que tantas vezes o faz estar certo e errado no mesmo momento tomando a mesma atitude.

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Por sua própria natureza, Simpatia pelo Diabo exala tensão a todo tempo, e a estreia do realizador consegue imprimir em cada grupo de sequências uma carga de desconforto e apreensão latentes, mesmo quando dançam “Rebel Yell” na boate. Assim que estabelece uma dinâmica de insegurança no espectador, o filme trabalha essa sensação em cena para que não exista momento de tranquilidade – quando eventualmente isso ocorre, uma tragédia ronda, e voltamos a nos policiar. É nesse ambiente que liquidifica perigo, frisson, responsabilidade social e a morte em si que o filme acaba por convergir, elevando a experiência em tela e traduzindo-a pro público em incômodo.

Simpatia pelo Diabo

A impressionante montagem de Mathilde Van de Moortel (premiada por Cinco Graças) dá um tom ao filme que parece transitar entre uma tentativa de documento verdade e um testemunhal posicionamento antiguerra, intercalando instantâneos de placidez fugidia com uma descarga de ação ininterrupta. O trabalho dessa exemplar montadora acaba por capturar uma expressão atribuída à persona de Marchand em determinado momento (‘a guerra é o seu sangue’) e traduzi-la na tela de maneira constante para o ritmo da produção. Como se o espírito do protagonista corresse pela edição e fosse um aditivo às imagens.

Ainda que já tenhamos visto esse Simpatia pelo Diabo em encarnações anteriores, dirigido por outras pessoas e interpretado por outros atores, ou seja, sua identidade não seja o forte da produção, ele permanece na memória como uma realização competente e envolvente. Se sua marca se esvai com o tempo, não é durante sua exibição que o filme deixa de entreter e fazer refletir; não se trata de uma produção que ambicione a originalidade, mas tudo que é alcançado no primeiro filme de Fontenay é de matéria-prima acurada.

Um grande momento
O ataque maior

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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