Mudar o rosto é também mudar o olhar do mundo para você. Em Um Homem Diferente, Aaron Schimberg transforma essa escolha em campo de batalha entre identidade e aceitação, onde cada nova feição traz junto o fantasma do que se deixou para trás. Edward, ator com neurofibromatose, submete-se a um tratamento experimental que altera completamente sua aparência. Depois do processo, surge como Guy, com uma nova aparência. Porém, a transformação não elimina seu desconforto.
Schimberg não suaviza o tema. Ao contrário, confronta o espectador com a crueldade silenciosa de uma sociedade tão apegada ao padrão que mede valor pela estética. O incômodo não está apenas no que os personagens fazem ou falam, mas no que sentimos ao vê-los. Quando Edward é Guy, o olhar alheio se torna mais acolhedor, mais aberto, e é nesse contraste que o filme perturba. O que mudou foi o rosto ou a disposição das pessoas em enxergar aquele ser humano? E se as portas se abrem mais facilmente agora, é porque antes o mundo via um homem ou apenas uma condição física?
Essa ironia se intensifica com a entrada de Oswald, vivido por Adam Pearson, que também tem neurofibromatose, mas não sente necessidade de mudar. Sua presença não é só contraponto, mas espelho distorcido. Ele é um homem à vontade consigo mesmo, e desperta empatia genuína e atenção por quem realmente é. O desconforto cresce quando percebemos que, dentro da narrativa, a aceitação que Oswald encontra está ligada à maneira como as pessoas – e, aqui, a arte – lidam com a diferença. Ela é admirável e exótica, mas raramente é tratada como igual.
O roteiro afia essas tensões ao trazer Ingrid (Renate Reinsve), vizinha e dramaturga, que escreve uma peça inspirada na antiga vida de Edward. Guy, agora invisível como sua versão anterior, observa de fora uma história que é sua ser contada por outros. O filme questiona quem tem o direito de narrar uma vida marcada pela diferença e, mais ainda, o que é perdido quando essa diferença desaparece da superfície.
A aparência vira motor de uma discussão que nunca é entregue de forma confortável. O preconceito é exposto sem filtros e devolvido ao espectador de forma muito incômoda, por todo o tempo. Rimos, nos surpreendemos, mas logo percebemos que parte desse riso nasce de reconhecer a lógica injusta que o filme encena, e que é nossa também.
Schimberg filma tudo com humor ácido e uma sensibilidade estranha, fazendo com que a comédia nunca apague o desconforto. Um Homem Diferente provoca porque nos obriga a encarar a superfície e perguntar o que realmente estamos vendo. E, ao fim, a pergunta que ecoa não é apenas sobre Edward ou Guy, mas sobre o quanto nossa empatia está atrelada a um rosto que seja fácil de aceitar.
Um grande momento
Na cama


