Crítica | Festival

Blue Girl

(Blue Girl, IRI, 2020)

  • Gênero: Documentário
  • Direção: Keivan Majidi
  • Roteiro: Keivan Majidi
  • Duração: 72 minutos
  • Nota:

Blue Girl é um filme cheio de afeto, e de fofura. Ao se infiltrar no mundo das crianças de um pequeno vilarejo Curdistão, onde todos os moradores são apaixonados por futebol, e acompanhar a rotina de um lugar sem espaços para brincar e sem nenhum terreno plano para jogar bola. Quem conta a história é uma das crianças. Responsável pela descrição do local, apresenta adultos e crianças relacionando-os com a grande paixão do lugar.

Como a identificação é algo muito eficaz em qualquer narrativa, o apego pelo futebol de lá e de cá cria uma ligação imediata com o que está sendo mostrado. O compreender da paixão, conhecer os jogadores famosos citados e entender o que seria uma vila sem espaço para uma pelada dá um tempero todo especial ao filme, irmanando duas realidades completamente distintas.

Há uma clara tensão entre as crianças e os adultos. Enquanto estes querem o sossego, aquelas, cheias de energia, querem brincar, se divertir. Cenas de crianças trabalhando, deixam bem evidente a diferença. Outra questão levantada é a exclusão das mulheres, no caso, meninas que amam jogar futebol, mas são proibidas pela família, seguindo a tradição iraniana de reservar papéis específicos às mulheres. O nome Blue Girl, inclusive, remete à morte da jovem Sahar Khodayari, assim conhecida por ser torcedora do Esteghlal. Ela foi detida após tentar entrar em um estádio de futebol e, após receber a sentença de prisão, ateou fogo em si própria como protesto. Mulheres são banidas de estádios no país.

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Blue Girl (2020)

Apesar do título lembrar o ocorrido, o tom assumido pelo diretor Keivan Majidi é o de um filme para a família, voltado a todas as idades. Mas não há como negar o desconforto após ler o nome do filme na tela e, em seguida, ouvir a voz de uma menina, passando depois por todo o amor pelo futebol, dela e de todos a sua volta. Mas, ao mesmo tempo, é fácil se envolver com a história daquele lugar distante e com crianças em busca de um sonho.

A falta de espaço é constante no filme, seja em cenas que demonstram a dificuldade de brincar nas muitas descidas e subidas de vielas do lugar ou mesmo na insistência da narradora no assunto. Ao mesmo tempo, o futebol tem um destaque igual ou muito próximo. Cenas como a cerimônia de previsão antes da Copa do Mundo da Rússia começar, os muitos diálogos sobre os jogos, as seleções de outros países defendidas – às vezes de maneira bem acalorada – por seus torcedores e símbolos relacionados ao jogo formam um mosaico curioso para definir a vida no local.

A fotografia se aproveita das locações, seja nos espaços estreitos e acidentados da pequena vila – com alguns quadros muito bonitos, como o dos meninos pulando carniça – ou nas muitas subidas e descidas da montanha onde existe o único terreno plano do local. Mas há aquele exagero nas imagens de drone tão comum nos dias de hoje. O uso desmedido da tecnologia afasta quem assiste ao filme, trazendo uma artificialidade a narrativas que são mais naturalistas, como essa.

O carisma da protagonista é o que resolve esse e outros problemas, como a irregularidade na atuação das crianças, algumas bem pouco à vontade diante das câmeras enquanto outras agem de maneira extremamente natural. Com a empatia criada, tudo vai sendo relevado e leva bem os espectadores até a preparação para o desfecho, que encontra muitas pedras – literalmente – pelo caminho. Há toda uma atenção especial à união e ao trabalho de equipe.

A trilha musical é estranha por estar quase sempre presente, ora destacando o caráter infantil do que se vê, ora conferindo uma gravidade que nem sempre é proporcional. Os momentos de silêncio são preciosos, principalmente por serem alguns dos que trazem o tema que o título evoca.

Sem uma atenção real, voltada em maior parte à conclusão do objetivo, a questão do machismo aparece muito pouco. Em comentários espaçados das meninas que questionam porque estão ajudando se os meninos não as deixariam jogar. “Nós fazemos o que mandam”, responde uma delas antes da constatação de outra de que elas são levadas à montanha para fazerem tarefas domésticas, como cozinhar.

Embora cumpra a sua jornada no que diz respeito ao espaço das crianças, Blue Girl falha na abordagem ao tema que usa para se identificar. Terminando sem se aprofundar na questão ou mesmo olhar realmente para ela. Tem muitas coisas positivas, sem dúvida, mas por que falar de algo que não tem intenção alguma de explorar de verdade? Para ficar na superfície, obrigada,não precisamos.

Um Grande Momento:
A reunião na gruta.

[7º BIFF]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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