Crítica | Streaming e VoD

Luca

Orgulho de ser quem quisermos ser

(Luca, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Enrico Casarosa
  • Roteiro: Jesse Andrews, Mike Jones
  • Duração: 95 minutos

Há mais de 20 anos chovendo em um molhado difícil de secar, a Pixar acerta mais uma vez. Parece um disco arranhado, velho, chato, bem insuportável de ouvir, e nos últimos tempos até chegou a produzir um certo cansaço na cinefilia, não necessariamente por errar, mas porque parece não ter mais graça assistir ao êxito do estúdio. Lógico que sempre existe um Valente pra mostrar as exceções, mas, queiram os haters ou não aceitar, Luca é mais um golaço dos pais de Toy Story, Wall-E e Procurando Nemo, e a prova de que sua inspiração, embora pareça reciclada em si mesmo, na verdade têm sim uma base muito sólida, aqui representada pelo coming-of-age e suas morais – ok, mais uma vez.

O que tem de novo em Luca, que ainda não tinha sido acrescido ao vitorioso molho? Talvez o momento certo de contar uma história onde a base não é aceitação das diferenças apenas socialmente, mas principalmente quando passamos a nós mesmos aceitarmos quem somos, gritamos isso ao mundo, e conseguimos o respeito e o afeto dos nossos. Então agora não se trata apenas de crescer etariamente, preparar-se para uma próxima fase da vida que o tempo se encarrega de nos apresentar, mas também compreendermos os indivíduos que somos, observarmos nossas diferenças para enfim exaltá-las, transformando-se em potência criativa e ativa.

Muito foi dito, prévio a estreia, por se ambientar na costa litorânea da Itália, que o filme dirigido por Enrico Casarosa coadunaria inspiração com o neoclássico LGBTQIA+ Me Chame pelo seu Nome, incluindo as inclinações sobre discussão de orientação sexual, camufladas em uma aceitação mais ampla. A verdade é que todo objeto fílmico que trate sobre discriminação, bullying, conflitos de identidade e descoberta do afeto pode ser utilizado como metáfora gay, e não faz mal algum nisso, na verdade essa ligação só amplia o escopo de alcance de uma narrativa já tão sincera quanto a do filme. Mas isso é apenas um recorte de tantos que podem ser atribuídos a Luca.

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Outro foco de leitura do filme aponta dois extremos na régua de qualidade. Por um lado, estamos há dois anos do surgimento de Parasita no mundo, que uniu tribos e línguas, e por isso esse quadro de aceitação dos “diferentes” englobam obviamente também imigrantes, estrangeiros e população refugiada como um todo. O outro lado dessa questão questiona o porquê, depois de um vencedor do Oscar falado em coreano, ainda temos um filme passado na Itália, onde todos os personagens são italianos, e o filme é falado em inglês, daquela maneira antiquada onde algumas palavras são soltas no meio das frases na língua original… sério, isso não atrapalha em nada a qualidade da produção, mas ainda precisamos disso?

Luca

Um outro olhar para a produção é o delicado sentido da amizade e do pertencimento que o filme vende, não apenas entre as três crianças protagonistas, mas entre situações ainda mais sutis, como a de Alberto, um órfão que será inicialmente descoberto, posteriormente acometido do sentimento de ciúme mais puro, e por fim encontrará muito mais do que o seu lugar no mundo, em desdobramento sem didatismo. Escrito por Jesse Andrews e Mike Jones (o primeiro, autor de Eu, Você e a Garota que vai Morrer; o segundo, um dos responsáveis por Soul), Luca é um filme que até em A Pequena Sereia bebe, mas que consegue transformar sua sopa de referências em algo genuíno. Além desses todos méritos que apresenta, Luca ainda conta uma jornada que, caso não haja uma procura prévia por spoilers, consegue trazer elementos novos em sua narrativa, apresentando seu ponto de partida com originalidade.

Do ponto de vista do visual, o filme dirigido por Casarosa (indicado ao Oscar pelo lindo curta La Luna, com grafismos que Luca absorve sem parecer cópia, mas daquela forma que a Pixar costuma fazer, tentando inserir aquele universo aqui) é um deslumbre ensolarado, cujos detalhes voltam a impressionar mesmo depois de anos de costume do capricho do estúdio. Aliando então os dois campos, narrativo e estético – e nem vou citar o sonoro, com um arsenal do clássico cancioneiro italiano dos anos 1950 e 1960 – fica difícil, mais uma vez, criticar um time que parece nunca cansar de ganhar, e querer sempre nos fazer rir muito (o gato de Giulia!!!!) e nos emocionar ainda mais.

Um grande momento
“Eu sei quem eles são… eles são Luca e Alberto”

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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