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20.000 Espécies de Abelhas

Agridoce

(20.000 Especies de Abejas, ESP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Estibaliz Urresola Solaguren
  • Roteiro: Estibaliz Urresola Solaguren
  • Elenco: Sofía Otero, Patricia López Arnaiz, Ane Gabarain, Itziar Lazkano, Martxelo Rubio, Unax Hayden, Sara Cozar, Andere Garabieta
  • Duração: 120 minutos

O que a cineasta Estibaliz Urresola Solaguren realiza em seu longa metragem de estreia não é de pouca complexidade, ou limitada coragem. 20.000 Espécies de Abelhas é quase um experimento-teste de solidariedade e empatia, um mergulho sem muitas equiparações a uma necessidade extra de voz, que está literalmente nascendo agora e precisa ser ouvida, mesmo que pareça muito cedo para tal. Nada mais pertinente então que o roteiro centre suas atenções a alguém que também está nascendo em sua real identidade. É um olhar carregado de vícios como o meu que analisa um filme sobre a afirmação dessa identidade a uma família unida e amorosa, mas que ainda tenta compreender a real existência de gênero que desconstrua suas certezas.

Não existiria sensibilidade suficiente para adentrar essa busca dolorida por ser visto como se é, mas Solaguren consegue emoldurar tanto em tão pouco tempo, e é inteligente de sua parte colocar uma realidade que se configura como nova para todos os integrantes. Tanto Lucía ainda não sabe como lidar com o que já enxerga como um fato (a cena onde ela fala para a mãe e o irmão “porque vocês sabem o que são e eu não?” é um dos tantos cortes verbais que o filme faz no espectador), como sua família ainda menos consegue encontrar uma posição. É um aprendizado coletivo que iremos acompanhar em 20.000 Espécies de Abelhas, que assim convida o público a igualmente se permitir criar empatia por uma dor tão profunda quanto inquietante: o que fazer?

Solaguren, se não tem uma filmografia extensa, ao menos tem a delicadeza necessária para contar essa história de afirmação de gênero com uma coloquialidade tão sincera, que é impossível não tentar se colocar no lugar de todos em cena, incluindo Lucía. Enquanto os preparativos para um batizado e algo parecido com férias familiares se desenrolam de maneira serena durante a projeção, o roteiro se arma com muito cuidado das perguntas certas nos momentos certos. Porque não entrega tudo ao mesmo tempo para nós, e sim apresenta tais sentimentos um a um desde o início – antes de Lucía existir, após seu corpo se posicionar em cena, uma cena consequência da outra. 20.000 Espécies de Abelhas nos situa em um momento de transição generalizado, onde todos precisam ocupar lugares e mostrar de que lado estarão. 

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Para contrabalançar as angústias que assolam a vida de Lucía, o filme aponta para um caminho solar nas escolhas estéticas. Poucas cenas, além da inicial onde a sexualidade da protagonista se revela, apontam para a noite; elas se evidenciam pelos momentos onde a personagem e sua família dividem suas aflições entre si. É como se a noite enfim revelasse uma dor muito recôndita, e o dia representasse as inúmeras tentativas de propagar uma positividade bem-vinda. A luz do sol viria a representar um olhar de esperança e certeza, enquanto a escuridão noturna trouxesse as dúvidas de cada um. No quadro geral, 20.000 Espécies de Abelhas trata sua atmosfera com a mesma doçura com que seus habitantes tentam tomar forma de uma realidade que já está disposta, ainda tateando por ela.

E como é bonito ver que o roteiro escolhe o caminho da aceitação, ainda que através da estranheza inicial. Não se trata de algo a ser buscado para o futuro, não… é uma decisão coletiva e definitiva – Lucía é mais importante do que qualquer desconfiança, e acatar sua existência é a única coisa a ser feita. O filme aponta a todo tempo sobre como as novas gerações já avançaram em discussões (o que significa nem tê-las), e em como os mais velhos ainda precisam de uma âncora para aportar nesse mundo que parece menos aceito do que na verdade já é. Apesar da sensação de desespero diante de um quadro para eles desconhecido, o que importa aos personagens de 20.000 Espécies de Abelhas é tentar acertar onde o mundo vem errando constantemente. A saída não poderia ser outra que não a do amor incondicional. 

Um grande momento

Lucía e sua tia tomam banho no rio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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