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Cassandro

O exótico que ganhou

(Cassandro, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Roger Ross Williams
  • Roteiro: David Teague, Roger Ross Williams
  • Elenco: Gael García Bernal, Roberta Colindrez, Perla de la Rosa, Joaquín Cosío, Raúl Castillo, El Hijo del Santo, Benito Antonio Martinez Ocasio
  • Duração: 99 minutos

Se há um esporte que move os mexicanos, esse é a luta livre, lucha libre, como chamam, ou wrestling, nos campeonatos profissionais. Aquele onde lutadores mascarados misturam golpes acrobáticos com ações de solo em lutas que estão entre a performance e a batalha. Saúl Armendáriz é um dos grandes lutadores exóticos (aqueles que se apresentavam como personagens queers) da história. Com seu Cassandro, que lutava sem máscara, mudou paradigmas e influenciou gerações. É sobre ele a primeira ficção do documentarista Roger Ross Williams (Life, Animated e God Loves Uganda) e estrelada por Gael Garcia Bernal (Tempo).

A biografia-homenagem aborda o surgimento do lutador, sua transformação e a chegada ao sucesso. Exaltando algumas passagens e deixando de lado ou não se aprofundando em momentos mais negativos da trajetória, não falta espaço para que Ross Williams e David Teague, que assina com ele o roteiro, exercitem sua criatividade. Embora o filme seja bem tradicional e evite qualquer risco, a narrativa é fluida. Seja pela história de Armendáriz e pelas atuações entregues, funciona e envolve.

García Bernal está ótimo como o lutador que sofre com a falta de poesia na composição dos adversários ou na coreografia pobre de suas primeiras lutas como El Topo e que se encontra no ringue ao assumir a identidade de seu novo lutador, indo da timidez ao delírio de ouvir seu nome sendo chamado pela multidão. O mesmo em sua vida, na contenção de seus gestos, na relação com a mãe, nos pequenos detalhes onde se podem identificar os traumas da ausência e da não-aceitação. Ao seu lado, estão Perla De La Rosa, como a mãe amorosa e frustrada; Roberta Colindrez, como a lutadora Lady Anarquía e agora sua treinadora Sabrina, e Raúl Castillo, como o namorado que não teve a coragem de se revelar e não o assume. Embora conscientemente satélites, todos muito bem e dedicados às particularidades de seus papéis.

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Cassandro traz o tema LGBTQIAPN+ sem ignorar as circustâncias e o todo o preconceito acerca do tema, mas não é um filme que se apega ao que há de negativo, algo tão comum em outros títulos. Não existe a habitual exaltação à tragédia. Ao contrário, embora a homofobia esteja ali, o orgulho está em destaque, e reconhecimento e representação vêm com muito mais ênfase, em uma cena até bastante óbvia, mas que vai emocionar.

Tecnicamente, o diretor é bastante dedicado na construção daquele universo. O trabalho da arte, em especial nos figurinos de María Estela Fernández (Narcos), que saem, em um crescente, do cinza de El Topo para as cores extravagantes dos novos uniformes de luta de Cassandro, é impressionante. Isso sem falar em tudo o que foi feito até ali em outras lutas, com os outros exóticos que estiveram em cena. E o mesmo pode ser dito para o trabalho de maquiagem e cabelo.

O excesso da trilha musical é o ponto mais fraco, e pode refletir um afastamento do próprio diretor, como se estivesse o tempo todo demarcando um espaço como longe do seu, mas é curioso que seja ainda na música que o respeito à essência do personagem se faça tão presente. Cada entrada de Cassandro embalada por canções pop clássicas, e aqui a versão de Celia Cruz de “I Will Survive” é imbatível, é preparada com muito cuidado para impressionar. A filmagem das lutas, com golpes clássicos de wrestling também não faz feio e são bons momentos do filme.

No fim das contas, mesmo que com um filme quadrado que não acerta sempre, mas acerta em muitos pontos, somos tomados pelo afeto e pela força dessa figura que García Bernal encarna de forma tão vigorosa. Indo e voltando no tempo, é interessante conhecer Saúl Armendáriz e seu lutador Cassandro.

Um grande momento
“Yo viveré!”

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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