Crítica | Outras metragens

Channelvue

Da grade ao algoritmo

(Channelvue, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Brandon Tauszik
  • Roteiro: Joe Veix
  • Elenco: Lauren Servideo
  • Duração: 8 minutos

A televisão dos anos 1990 tinha o controle absoluto. A grade determinava a ordem e as possibilidades, com horários preenchidos com filmes, novelas, desenhos e programas que poderiam ou não ser assistidos. O público era passivo, embora dono do controle remoto e senhor das viagens intergrades, não tinha a real escolha sobre seu destino.

Channelvue, de Brandon Tauszik, mergulha na nostalgia para desmontá-la com humor. Apostando em um ritmo delirante, a previsibilidade do reconhecível implode depois que hackers invadem a programação e transformam a grade em ruído. Programas e anúncios estapafúrdios que se multiplicam abrem espaço para o inesperado.

No centro desse caos está a CEO do canal. Ela encarna a tentativa de sustentar uma lógica que já não se sustenta. Sua autoridade, antes legitimada pela rigidez de um padrão, desmorona diante da interferência. É desse choque que nasce a comicidade. A ordem televisiva, tida como indestrutível até então, se revela frágil e instável.

A estética é parte essencial desse colapso. O digital recria guias de programação, VHSs e softwares antigos, mas não como exercício nostálgico. Cada glitch, cada ruído, cada legenda que se repete fora do lugar intensifica a sensação de que a história está sendo reescrita enquanto acontece. A nostalgia se oferece como disfarce de um desconforto que vai surgindo sem pedir licença.

O que está em tela, na verdade, é o presente. Se antes o público era prisioneiro da grade imposta por executivos, hoje está sujeito a sistemas ainda mais opacos, que decidem o que vai ser visto sem que se perceba. O hacker que bagunça o canal funciona como a metáfora de um algoritmo que surge interferindo e também redefinindo toda a lógica do consumo audiovisual.

É claro que Channelvue se aproveita da memória afetiva e sabe como criar humor a partir disso, mas é o incômodo que ele causa que permanece. Com todo o seu atropelo frenético, o curta deixa subentendido que as coisas mudaram, mas a promessa de escolha infinita esconde um outro tipo de prisão: o controle remoto pode estar na sua mão mas quem decide ainda não é você.

Um grande momento
Strong & Associates

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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