Crítica | Festival

Chicharras

(Chicharras, MEX, 2024)
Nota  
  • Gênero: Híbrido
  • Direção: Luna Marán
  • Roteiro: Luna Marán
  • Duração: 87 minutos

Em Chicharras, Luna Marán volta o olhar para a própria terra e devolve à comunidade de Oaxaca o poder de narrar. O filme não se impõe sobre o território, nasce dele. São os moradores que falam e decidem o que mostrar. O resultado é um cinema que não observa de fora, mas pulsa junto, no ritmo das vozes, dos sons e das pausas que preenchem a vida cotidiana.

A diretora constrói um retrato em que a ficção se mistura ao real, não como artifício, mas como modo de existência. A câmera acompanha o trabalho coletivo, as assembleias, os silêncios, os pequenos gestos que formam uma identidade. A montagem fragmenta o olhar e recusa a ideia de centro, deixando que cada morador, cada espaço e cada ruído ganhem sua própria importância. Assim, o filme se torna uma soma de olhares e não uma visão única sobre o que é ser parte de uma comunidade.

Há uma força particular em como Chicharras trata o território: ele não é cenário, é personagem. A tentativa de entrada, o avanço das máquinas, a poeira das estradas aparecem como ameaças concretas a um modo de vida que insiste em permanecer. Ao mesmo tempo, o filme não é lamento, é resistência e invenção, um gesto de quem sabe que a memória não é só arquivo, é prática viva.

A abundância de temas – meio ambiente, política, tradição, modernidade, coletividade – às vezes dispersa o foco, mas é também o que dá ao filme sua textura mais autêntica. Chicharras não busca o melhor acabamento nem a estética perfeita. É um corpo coletivo, cheio de arestas, onde a voz de um nunca se sobrepõe à do outro.

O cinema de Luna Marán é político porque é afetivo. Ele entende que filmar é partilhar, e que partilhar é resistir. Em tempos de apagamentos e discursos prontos, Chicharras lembra que o cinema pode ser o lugar onde a terra fala, e onde quem sempre foi objeto filmado encontra, enfim, a chance de de ser humano de verdade.

Um grande momento
Yuli não deixa passar

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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