Crítica | CinemaDestaque

A Noite das Bruxas

Enfim, a diversão

(A Haunting in Venice , EUA, GBR, ITA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Kenneth Branagh
  • Roteiro: Michael Green
  • Elenco: Kenneth Branagh, Tina Fey, Jude Hill, Michelle Yeoh, Jamie Dornan, Kelly Reilly, Riccardo Scamarcio, Camille Cottin, Kyle Allen, Emma Laird, Ali Khan, Rowan Robinson
  • Duração: 100 minutos

Kenneth Branagh é claramente um apaixonado por Agatha Christie. Embora isso pudesse ser afirmado desde 2017, já que essa é sua terceira adaptação da autora, só agora com esse A Noite das Bruxas isso se mostra evidente na realização, e a aura de burocracia se esvai, em parte. Se a sua abertura parece corrida e um tanto displicente, quando a tal noite do título em português se faz presente o ritmo se adequa ao que estamos acompanhando. Não se trata de mais uma tentativa de arrancar dinheiro de um público adulto pura e simples, mas de uma ganância que se permite convidar esse mesmo público para aproveitar a farra junto com quem a produz. Ao sair de uma postura ensimesmada em relação à diversão, o projeto maior de Branagh alcança a liberdade que não tinha chegado perto até agora. 

Esse é o primeiro projeto do diretor após ganhar um Oscar pelo roteiro de Belfast, que apenas buscava recompensá-lo pelos serviços prestados à indústria, em sua egotrip memorialista estranha. Ao sair dessa tentativa falsa de importância superior e descer para brincar permitindo-se contaminar pelo jogo, Branagh e companhia se mostram propensos a essa peça de suspense, comédia e terror, respeitando a essência da clássica escritora britânica. Com a raridade que o público com mais de 40 anos tem sido contemplado hoje em produtos de qualidade, com verniz e verdadeiramente divertidos, o que A Noite das Bruxas se mostra capaz de realizar é angariar bem mais do que nossa simpatia. Se parecia, até Morte no Nilo, que o diretor deveria desistir de preparar novas adaptações da autora de Assassinato no Expresso Oriente, seu novo filme mostra que não está tudo perdido. 

Os valores de produção, que não faltaram aos dois títulos anteriores, agora se mostram orgânicos, conversando com o que está sendo contado, e não apenas como um enfeite vazio feito para emoldurar seu invólucro. A ação se passa na Veneza de 1947, e o castelo onde teremos uma celebração do Halloween que termina em tragédia é composto com grandiosidade necessária, mas que acima de tudo parece crível. A produção de Branagh se esmerou após o anterior ser recheado de um CGI inacreditável, que aqui é transformado em direção de arte repleta de camadas, que possibilitam que A Noite das Bruxas se monte como um quebra-cabeça em escala natural, com portas misteriosas, escadas íngremes e salões que também contam a história. 

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Tudo isso seria desperdiçado caso seu diretor não tivesse um conceito por trás de sua entrega. Mas alguma reação foi encontrada depois de mais de uma década como um operário obsoleto, que apenas servia aos poderosos em troca de um cheque. Em A Noite das Bruxas, Branagh diverte a si, ao seu elenco e ao público, sem deixar de encontrar nas imagens e em sua construção uma ideia de autoralidade. Como quando projeta atrás de Jude Hill uma sombra adulta, e mostra que idade metafórica compõe aquele pequeno corpo. Esse jogo de imagens, de possibilidades diante de seus personagens, e como ele filma cada gesto deles, suas ambiguidades e contradições posteriores, são o que de melhor o diretor poderia arrancar de um título que é uma caixinha de montar. 

Existe também uma racionalidade em A Noite das Bruxas que ao mesmo tempo em que brinca com um certo estereótipo de uma classe mais abastada e européia, também olha para a produção e se molda com essa ideia. Esse é o ponto fraco do filme, porque essa observação chega longe demais, o que termina por contaminar as relações humanas em cena. Exatamente por estarmos falando de crimes motivados por paixão, que alguns personagens se portem com alguma frieza diante dos acontecidos, causa uma estranheza que quebra o potencial apresentado até então. Como se a frieza que estava na moldura dos longas anteriores tivesse alcançado uma ou outra atitude de seus peões no tabuleiro, ainda assim provocando um resultado superior aos longas concebidos antes, e também na filmografia recente de seu diretor. 

Assim como em Assassinato no Expresso Oriente e Morte no Nilo, é o equilíbrio do elenco que comporta muito da força de A Noite das Bruxas. E embora Emma Laird nos hipnotize com sua presença, trazendo uma força dramática incontestável a cada olhar, e Jamie Dornan finalmente mostre um crescimento profissional visível, a câmera não consegue desviar de Jude Hill. A revelação que o próprio Branagh tinha encontrado em Belfast aqui nos impressiona, porque seu talento está sendo mostrado em crescimento passo a passo. Ele é o motivo pelo qual tudo se costura à perfeição em sua narrativa, e é nas costas dele que o filme se ancora, independente dos méritos que estão visíveis. Sua imagem é a cara de um filme que surpreende nos detalhes. 

Um grande momento
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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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