Crítica | Streaming e VoD

Continência ao Amor

Não precisa mudar…

(Purple Hearts, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum
  • Roteiro: Kyle Jarrow, Liz W. Garcia
  • Elenco: Sofia Carson, Nicholas Galitzine, Chosen Jacobs, Linden Ashby, Kat Cunning, Scott Deckert, Anthony Ippolito, Loren Escandon, Sarah Rich, Breana Raquel, Nicholas Duvernay
  • Duração: 122 minutos

A Netflix, que de boba não tem nada, continua comprando os direitos de adaptação de grandes hits literários, principalmente se eles são da vertente “jovens adultos”, aqueles títulos de apreciação fácil e escritos para o público cujo título diz tudo. Com isso, produz sucessos instantâneos como esse Continência ao Amor, que já chega com o potencial alcançado de atingir um público enorme, coisa que tem feito desde sua estreia de ontem. Encarar o produto, perceber suas falhas (principalmente narrativas, no que concerne o relevo de seus personagens) e engatar uma marcha diferente para a apreciação, é uma escolha particular. Fica o sentimento de que se trata de um desses “prazeres culpados” mais tradicionais, que o próprio streaming produz aos borbotões. 

É inacreditável perceber o tamanho do que estamos falando hoje. Apenas 24 horas depois de sua estreia, e um título descartável como esse, que não mudará a vida de ninguém e muito menos o curso natural do cinema, já têm inúmeros “cabides” interessados em embarcar em seu sucesso meteórico, e tão fugaz quanto o próprio conceito de meteoro. Trata-se de uma narrativa ultra comum, nada surpreendente ou inexplicável, mas nenhuma dessas coisas impediu os oportunistas de produzirem vídeos de “final explicado” a um filme que não se pretende a nada disso – é só uma carona ridícula em um sucesso efêmero. Ainda assim, tem honestidade na produção, ainda que ela seja absolutamente tradicional, inclusive em seus erros tão comuns. 

Continência ao Amor
Hopper Stone/Netflix

A diretora Elizabeth Allen Rosenbaum é especialista em séries de tv, tem uma carreira praticamente dedicada a eles, e esse é apenas seu quarto longa. O primeiro, no entanto, foi um sucesso inesperado de 16 anos atrás, Aquamarine, sua estreia atrás das câmeras. Ela se especializou então em linguagem adolescente, trabalhando constantemente em material para essa faixa etária, o que nos trás até ‘Continência ao Amor’, e observamos o que poderia ser chamado de progressão natural. Não falta experiência a Rosenbaum, sem dúvida, e observamos isso na forma sedutora com que conduz a relação do espectador com seus personagens e suas ações, e a forma como explora sua narrativa. Há segurança no que faz, e não demora para que tenhamos comprado seus propósitos, tenham eles erros de construção ou não – e tem, bastante até. 

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E o negócio é até bem básico, e teria como ser evitado/contornado com alguma facilidade. Os roteiristas Kyle Jarrow e Liz Garcia parecem nem tentar construir algo com certa credibilidade, alguma organicidade diante do que o próprio material já carrega. Cassie é feminista, tem horror ao ufanismo americano, é contra a militarização e o envolvimento norte-americano em guerras que ele mesmo provoca, enfim, é um ser humano que, fácil, qualquer um teria orgulho de conhecer e ser amigo. Conforme sua vida é enroscada na de Luke, ela vai (acreditem!) perdendo suas características, a ponto de declarar, microfone em punho, “força aos nossos bravos soldados em combate”, isso bem antes do fim. Não era necessário nada disso para mostrar que a personagem teria passado por algum tipo de mudança interior, que essa radicalização só a deturpa. 

Continência ao Amor
Hopper Stone/Netflix

Continência ao Amor é, para onde olha, uma modernização do melodrama mais rasgado americano; poderia facilmente ser situado em 1940, que não estaríamos muito longe de sua essência. Na verdade, talvez há 80 anos atrás teríamos menor bagagem para perceber que o discurso de nossa protagonista não poderia ser tão flexível assim, antes mesmo até das adversidades darem as caras no roteiro. Já Luke é um personagem menos prejudicado, porque sua mudança é prévia ao tempo que o filme corre – tanto ele quanto ela têm doenças pré-existentes ao seu encontro inicial, mas ele está em uma narrativa que é mais dedicada. Compreendemos seu amadurecimento porque existem mais elementos que o componham, mas existe uma química muito latente entre os personagens, por isso é tão fácil comprar sua história, ainda que antiquada. 

Para onde se pode olhar, Continência ao Amor tem seu sucesso justificado. Finge ser progressista, tem as pautas na sua mão, mas nunca deixa de acenar ao conservadorismo, ou seja, de alguma forma torta, agrega aos dois mundos. Nada disso precisava ser explícito, ou melhor, existiriam formas de conseguir o que se desejava sem trair as próprias falas. Cassie não é deturpada por completo, sua voz segue no filme a reverberar suas ideias, e ela tem personalidade suficiente para seguir tendo uma postura firme e se apaixonar também, até por um sujeito tão arcaico. É o próprio filme que não consegue perceber que as contradições da personagem a fazem mais fascinante, sem precisar que ela as perca para ser feliz. O espectador, nós, acompanhamos com contrição esses vários arranhões que tentam fazer nela, e seguimos seduzidos pelo casal, feliz ou infelizmente. 

PS: como essa menina, Sofia Carson, tem ângulos que a deixam a meio passo da jovem Angelina Jolie – em alguns momentos, é quase idêntica. 

Um grande momento
Cassie canta para Luke em video chamada

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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