- Gênero: Ação
- Direção: Navot Papushado
- Roteiro: Navot Papushado, Ehud Lavski
- Elenco: Karen Gillan, Lena Headey, Paul Giamatti, Angela Bassett, Michelle Yeoh, Carlo Gugino, Chloe Coleman, Ralph Ineson, Adam Nagaitis, Michael Smiley
- Duração: 114 minutos
-
Veja online:
Mãe e filha tem a tradição de ir na lanchonete predileta e tomar um milkshake de baunilha caprichado, com cereja em cima e dois canudos. Num determinado dia, algo dá errado e a mãe se despede da filha, sem tocar no milkshake. 15 anos se passam e ela está sozinha, na mesma lanchonete, tomando o milkshake que vem servido de dois canudos. A ausência motiva aquela menina, agora mulher, a seguir o caminho da mãe.
Dirigido e escrito por Navot Papushado (com o roteiro contando com a colaboração de Ehud Lavski) Coquetel Explosivo tem uma premissa para lá de batida da criança abandonada que, para sobreviver, faz das tripas coração e acaba trilhando caminhos obscuros. No caso de Samantha (Karen Gillan), ela é uma valiosa contratada da organização conhecida como A Firma, com homens brancos e cis poderosos que a pagam para resolver seus problemas.
“Reading is fundamental”
Reunir num quarteto algumas das mais badass atrizes de Hollywood e colocá-las no meio da ação já renderia no mínimo um baita videoclipe. Carla Gugino, Michelle Yeoh, Angela Bassett e Lena Headley enchem os olhos com suas presenças magnéticas em Coquetel Explosivo, por mais que o roteiro não as trate tão bem como mereceriam. Elas são parte de uma espécie de clã de bibliotecárias matadoras de aluguel ao qual Samantha ou Sam está invariavelmente ligada.
E rendem boas cenas as piadas didáticas envolvendo armas e livros que Anna May, Madeleine, Florence e Scarlett soltam: “Vai precisar de uma Jane Austen, uma Charlotte Brontë e Virginia Woolf também…. Encontra as armas na sessão de auto ajuda, no Mulheres que Correm com Lobos e no Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. Pena que o cineasta israelense utilize as personagens e o universo a qual pertencem apenas como perfumaria em mais uma história genérica envolvendo ação, vingança, porradaria e redenção.
Mas, entre uma sucessão de onomatopeia de socos e tiros, a heroína sangra, fica bem machucada e tenta fazer as pazes com o passado, não sem antes ter um karma próprio para lidar. Kate, produção da Netflix estrelada por Mary Elizabeth Winstead, trazia uma dinâmica semelhante nas relações e foi mais feliz. E sim, é sabido que o gênero ação não dá lá muita margem para desenvolvimento de arcos, personagens e roteiros robustos, mas quando se há vontade de dar à trama peso igual que se dá o visual, o resultado acaba sendo mais que satisfatório. Pena que Coquetel Explosivo se satisfaz em ser mais um produto genérico, algo aproximado de um John Wick da vida, mas sem nenhum sabor agradável.
Coquetel Explosivo, apesar da trilha sonora amadora e repetitiva, é estilisticamente atraente, Michel Eresin entrega uma fotografia com bastante exploração dos neons, close ups em uma decupagem bem Tarantino, bem Kill Bill (quer dizer, Leone), com planos que referenciam Neon Demon e Drive – do sumido Nicolas Winding Refn. Até a jaqueta estilizada como a do personagem de Ryan Gosling, está aqui e é parte da identidade da anti-heroína. Os jump cuts e wide deixam o ritmo bem frenético o que é sintomático nesse tipo de filme, sim, mas que aqui são feitos com alguma elegância pelo editor Nicolas de Toth. Papushado merece créditos por atingir um patamar técnico na direção em sequências de luta especialmente, como a que Sam detona os capangas da Firma usando a malinha de panda infantil ou o travelling em slow motion durante a matança na lanchonete, onde a pólvora, o sangue e os milkshakes voam pelos ares numa exuberante e divertida composição.
“Você acha que tem chance?
Eu tenho um exército aqui.
E eu tenho a minha mãe”
Seria incrivelmente satisfatório se Coquetel Explosivo tivesse igual dedicação a outro aspecto igualmente importante na construção imagética e orquestração de um filme que é o design do seu roteiro. Papushado quer trazer uma perspectiva que vá de encontro ao male gaze na construção de suas personagens mas não é feliz ao desenvolvê-las de um lugar confortável e preguiçoso, resultando em pouca substância e misoginia de sobra, especialmente em se tratando da protagonista Sam, que, na verdade, mais parece um ciborgue sem sentimentos ou camadas. As tentativas que o cineasta faz de subverter algumas convenções do gênero são parcas, seja na figura do vilão burocrata de Paul Giamatti, que nutre uma espécie de sentimento paternal pela protagonista, ou como o médico da Firma usa gás hilariante e os capangas espancados riem do ridículo de perder pro “sexo frágil”.
Ou mesmo os figurinos que não sexualizam os corpos das atrizes e dão mobilidade para elas desenvolverem acrobacias e lutarem. Ainda assim, é pouco. E não é crível a necessidade que a protagonista tem de fazer as pazes com a mãe Scarlett, tampouco o vínculo que estabelece com a aprendiz de “oito anos e três quartos” Emily. Tudo muito pop, muito pulp fiction. Se dedicasse o enredo a desenvolver melhor os meandros da organização conhecida como A Firma e a interessantíssima ordem das bibliotecárias assassinas de aluguel, quem sabe não teria dado um salto qualitativo? Afinal aí está Matthew Vaughn com sua franquia Kingsman – que já chegou a exaustão – sobre sociedades secretas e assassinos. No fim, Coquetel Explosivo não provoca grandes explosões, no máximo estalinhos.
Um grande momento
“Feche os olhos, baby girl”