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O Canto do Cisne

Vestígios de outros dias

(Swan Song, EUA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Todd Stephens
  • Roteiro: Todd Stephens
  • Elenco: Udo Kier, Jennifer Coolidge, Linda Evans, Michael Urie, Roshon Thomas, Ira Hawkins, Annie Kitral, Tom Bloom, Eric Eisenbrey, Dave Sorboro, Bryant Carroll
  • Duração: 105 minutos

Pat caminha em sua volta para Sundansky, tentando encontrar algo que nem mesmo ele sabe bem o que é. O passado de glórias, os encontros e amigos desse mesmo passado, uma vida que não é mais a sua… em algum momento, tudo ficou para trás. Se perdeu, acinzentou, criou uma casca melancólica e Pat tenta reviver o passado através de um reencontro que não é mais possível. O Canto do Cisne não tenta iludir o público com intenções positivas; ainda que sua textura de vez em quando desbanque para uma certa leveza, um espécie de humor agridoce, o que estamos diante é do que o próprio título deixa claro.

Todd Stephens, diretor ligado ao universo LGBTQIA+, consegue um salto impressionante qualitativo, tendo em vista que sua última produção data de 13 anos atrás e é uma continuação de seu já infame Another Gay Movie. Aqui, o que nasce é uma sofisticação imagética insuspeita, que apresenta um diretor capaz de criar uma atmosfera introspectiva suavizada, que nunca afasta uma possível interação com o público. Apesar da melancolia presente em toda a duração, sua exposição diante do externo se dá através de uma proposta frontal de aproximação com seu personagem central e sua jornada de outono.

Não há nesse caminho encampado pelo filme uma tentativa de redenção. Seu protagonista não está em busca de um recomeço, ou de um lugar onde possa salvar sua existência dos devaneios que ultimamente são sua melhor companhia. Sua volta para a cidade do interior que fez seu nome, que o projetou na liberação de sua sexualidade e na arte que desenvolveu, é uma espécie de última chance de rever os fantasmas que alimentou por toda a vida. Causado por, ironia das ironias, um falecimento, o filme segue os passos de Pat em busca da observação desse local assombrado, com seus espaços mortos e sua cota crescente de espectros do além.

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O Canto do Cisne
Chris Stephens

Com uma edição que valoriza o tempo interior daquele homem, que precisa se desgarrar de uma época que já não pertence mais a ele, O Canto do Cisne trata o ontem como algo suntuoso, o que reverbera do ontem como uma última possibilidade de realização, e o hoje como uma conquista, ainda que com seus entreveros. Parece não haver encaixe possível para alguém como Pat, figura mitificada por seres que também já se foram, como uma última brasa de uma fogueira que rendeu labaredas incontáveis. Seus passos firmes em um tempo que não o deseja mais é como uma afirmação de que tudo aquilo já o pertenceu, e hoje é oferecido a uma nova geração.

Além de todas as camadas representativas que um filme como esse apresenta a um universo que recusa o tempo, renega o envelhecer, e tenta prolongar um espaço na existência indeterminadamente, existe o caráter quase milagroso de oferecer a Udo Kier um protagonista de qualidade em um projeto que o valoriza e enobrece. O ator, visto majestoso em obras como Bacurau, Melancolia e Dogville, aqui está no centro da narrativa mostrando como seus predicados nem sempre resplandecem como deveriam. Seu retrato de Pat passeia por tantos lugares, fragilidade e força descomunal, atrevimento e ingenuidade, agressividade e doçura, sempre elevando a obra e mostrando como suas potencialidades precisam ser resgatadas.

Resgatando lembranças de uma época que não lhe pertence mas que semeou resultados colhidos hoje, Pat encara o princípio do fim com a mesma propriedade que dedicou na vida. O Canto do Cisne faz jus a um homem que não precisou revelar toda sua passagem para construir uma narrativa que vai além da homenagem a si mesmo; agrega, enfim, um olhar carinhoso para uma fatia negligenciada não somente pelo cinema, como pela própria vida e a comunidade queer – estamos hoje aqui graças a Pat. Quando ele desdobra para fazer valer sua função pela derradeira vez, temos certeza que esse homem queria não apenas não ser esquecido… ele quer ser lembrado, como todos nós.

Um grande momento
“O que vocês fizeram com a minha casa?”

[29º Festival MixBrasil]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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