Crítica | Festival

Sweetheart

Suavidade nos códigos

(Sweetheart, GBR, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Marley Morrison
  • Roteiro: Marley Morrison
  • Elenco: Nell Barlow, Jo Hartley, Ella-Rae Smith, Sophia Di Martino, Samuel Anderson, Tabitha Byron, Steffan Cennydd, William Andrews, Spike Fearn, Anna Antoniades, Celeste De Veazey
  • Duração: 103 minutos

A sensação que um filme como Sweetheart cria no espectador é a da mais absoluta refrescância, como, sem saber, atendesse todos os nossos anseios em um começo de tarde, exatamente o horário em que exibido nesta edição do Festival Mix Brasil. Não que sua abordagem para o tradicional coming of age seja de alguma textura inusitada, alguma inovação estética ou uma insuspeita motivação enviesada para um lugar já tantas vezes encaminhado, incluindo filmes que motivam discussões homossexuais. O que nos arrebata aqui é o tratamento genuinamente crível a essas passagens, repletas de um carinho e um bom humor que só poderiam vir mesmo do melhor cinema britânico.

Marley Morrison estreia nos longas com essa delicada jornada por uma semana na vida de AJ, uma menina que, mesmo assumidamente lésbica, ainda tateia no escuro em todas as outras questões da idade. Da relação acidentada com a mãe e a irmã mais velha, até o desaparecimento do pai após o divórcio, e a inadequação típica do momento, AJ está em crise e com isso acaba por danificar toda a imagem positiva que tinha sobre o mundo, como o acampamento de férias que anualmente vai com a família, antes seu lugar preferido na infância, hoje um purgatório no qual ela é obrigada a estar.

Sweetheart
Chloe Sheppard

Ou seja, Sweetheart não é lá muito diferente de tantas produções a respeito desse universo, desses anseios, das miudezas de adolescentes perdidos entre o ser, ou deixar de ser e o tornar a ser. O que é costurado com fineza em seu roteiro e sua realização é a intrínseca relação compreendida entre a palavra dita e a escrita, o que é pensado e sentido e o que é verdadeiramente vivido, e em como suas materializações são demarcadas de maneira tão sensível pelas imagens e pela corporalidade geral, entre sua protagonista e a sua família nuclear, e a comunidade que abraça ao chegar no acampamento, especificamente a detentora de sua atenção ao longo da semana.

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O universo que gira em torno de AJ, além do próprio lugar onde gravita, é repleto de vivência genuína, sem esgarçar sua tematização. Somos gentilmente convidados a fazer parte de uma organização muito íntima, sua configuração é toda muito acertada, das micro relações entre mulheres de uma mesma família (e tem, por isso, um componente de disputa bem sublinhado), do olhar masculino para dois núcleos fortes, de aparência impenetráveis, mas que têm um código particular bem sutil; a união entre esses núcleos se dá pela protagonista, mas também tematiza esse encontro de conflitos femininos, ainda que em ideias disparatadas.

Sweerheart
Chloe Sheppard

Morrison traduz esse ambiente repleto de códigos do feminino em contraste com sua protagonista que renega cada um deles, e mantém assim sua verdade. Ainda assim, AJ nunca renega sua feminilidade ou seu desejo por essa figura representada em Isla, o oposto dela mesma e afogada por AJ em estereótipos que só fazem sentido na própria cabeça dela. A autora não esconde sua preferência por uma contenção que também traduz a personagem mas que também liberta seu filme para a beleza natural, tanto dela quanto de seu ambiente enfocado, traduzido em um contexto naturalizado de beleza explícita.

Subvertendo expectativas ao criar personagens, o desenrolar das relações, figuras masculinas que saem de um lugar esperado de toxicidade para aprofundar discussões sobre o tratamento dado a homens e mulheres (e o fio de relação entre eles), Sweetheart não se nega a abordar com assertividade seus temas e suas discussões, mas o faz dentro de um lugar de leveza de ambiência e resultados, utilizando com muita delicadeza um grupo de mulheres que pretende descobrir o amor – o que nasceu agora, e o que levou anos para ser diminuído, e agora retorna com força total no seio familiar.

Um grande momento
A discussão de AJ e Isla, com uma ouvinte

[29º Festival MixBrasil]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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