Série em Cenas

Bodkin

(Bodkin, IRL, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Elenco: Will Forte, Siobhán Cullen, Robyn Cara, David Wilmot, Chris Walley
  • Duração: 45 minutos

A Irlanda, com suas paisagens enevoadas e as cidadelas costeiras cheias de pessoas misteriosas, é o palco de Bodkin. A série parte de uma investigação de desaparecimento, mas indo além do mistério policial, o confronto entre as formas de narrar uma história também chama a atenção. Dove, jornalista cética, encara o trabalho do podcaster Gilbert Power como algo menor, um espetáculo qualquer, como se fosse um desvio do rigor que ela acredita ser necessário para sustentar sua profissão. Há em seu olhar um certo desprezo, uma recusa em reconhecer valor em um formato que, no fundo, também se baseia em apuração.

Esse embate funciona como metáfora de um conflito de tempos. O jornalismo tradicional, com sua promessa de método e objetividade, frente ao podcast, que aposta na intimidade e no ritmo do entretenimento. A tensão entre os dois não é só sobre estilo, mas sobre legitimidade: quem tem o direito de contar uma história, quem tem autoridade para mediar uma verdade. E essa disputa ganha ainda mais força quando se cruza com uma comunidade que prefere o silêncio, como se preservar seus segredos fosse a única forma de sobrevivência.

O humor ácido da série vem do atrito constante, de todos os lados. Enquanto Gilbert tente se aproximar, Dove o enfrenta o tempo todo. Porém, o que os cerca é ainda mais instável. Os habitantes de Bodkin, com seus sorrisos enigmáticos e suas evasivas, são a realização de que cada verdade carrega uma mentira junto. Não há revelação sem desconfiança, não há história que se sustente.

A ambientação reforça o estranhamento. O verde úmido das colinas, as ruas estreitas, os bares onde nada é dito em voz alta criam uma atmosfera em que o belo e o sombrio se confundem. A cidade, mais do que cenário, se impõe como personagem, guardando em cada pedra e em cada silêncio a memória do que não se quer lembrar. O mistério policial é, no fundo, a superfície de uma disputa maior, entre a vontade de expor e a necessidade de esconder.

Bodkin é sobre expor essas contradições. E, entre jornalismo e podcast, tradição e modernidade, silêncio e fala, fica claro que a verdade não se acomoda em um único formato. Ela se espalha em fragmentos, em versões que nunca se conciliam por completo. Porque é aquilo, em terreno instável, não é o enredo que prende, o que prende é o modo como ele insiste em se esconder.

Melhor episódio
T01E4: Poison or Something

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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