Crítica | Festival

Dolores

Mulheres em expansão

(Dolores , BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Marcelo Gomes, Maria Clara Escobar
  • Roteiro: Marcelo Gomes, Maria Clara Escobar, Chico Teixeira
  • Elenco: Carla Ribas, Naruna Costa, Ariane Aparecida, Gilda Nomacce, Zezé Motta, Tuna Dwek
  • Duração: 80 minutos

Apesar do título apontar apenas uma personagem, Dolores é, acima de tudo, a história de um grupo de mulheres muito especial em sua mundanice. São três gerações em cena (avó, mãe e neta) e a melhor amiga da mais velha, criando um quadro de potência inegável diante de suas particularidades. Dolores, Deborah, Duda e Marlene: o que elas têm em comum, além do profundo laço de afeto e a compreensão profunda proveniente da empatia? Quatro mulheres brasileiras, tendo os percalços comuns do cotidiano para superar, e podendo dividir entre si suas verdades, mágoas e pequenezas. Falando assim, parecemos estar diante de uma produção que o nosso cinema tem visto com alguma frequência, aqui em absoluto regado por mulheres e até para mulheres. 

Não dá para assistir (ou analisar) Dolores de uma maneira leviana, livre de todos os seus muitos apêndices. O filme, dirigido por Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus) e Maria Clara Escobar (Explode São Paulo, Gil), era um projeto original de Chico Teixeira (de A Casa de Alice e Ausência) que nos deixou cedo demais, e antes de realizá-lo; Gomes e Escobar são, portanto, os herdeiros intelectuais da última obra do cineasta. Na tela, temos as muitas musas de Chico, principalmente Carla Ribas e Gilda Nomacce, protagonistas dos filmes citados. Ou seja, não estamos diante de uma obra qualquer, mas uma celebração de um cineasta sensível e cheio de minúcias para tratar dias comuns em suas criações incomuns. Incomuns, porque não são todos os filmes que querem falar da coisa mais frugal e da maneira mais frugal; essa decisão, no entanto, acessa lugares muito profundos da natureza humana. 

Os problemas começam, vejam só, quando percebemos o quanto cada uma dessas personagens é imensa em suas complexidades, e o quanto elas mereciam, por isso e por suas intérpretes, de aprofundamento ainda maior nas ranhuras que o filme promove. Dolores tem o sonho de poder viver de seu vício, o jogo; Deborah está paralisada à espera da saída do namorado da prisão; Duda está prestes a ser encarada de maneira adulta no trabalho que escolheu para si, as instituições policiais. Entre elas, está Marlene, que segura os rojões dessa família rompida, e que também aguarda o retorno da mulher de sua vida do sistema penal. E essa é uma questão forte no filme, porque tudo isso tem apresentação, propósito e relevo, logo Dolores escapa pelo resumo. 

Com apresentações de suas personagens em uma espécie de moldura capitular, Dolores deveria ser mais abrangente do que foi para cooptar o tanto de caminhos possíveis pelo que seus autores apresentaram. Cada uma das mulheres em cena são um universo muito imenso para capturar, em suas individualidades, em seus desejos, na ânsia de estruturação e no momento-chave que estão enfrentando. Suas atrizes nada podem fazer, a não ser apresentar as qualidades necessárias para comprovar essa tese de que algo faltou no todo, e esse algo talvez não seja pouco. A diminuição do espaço de todas provoca a perda das potências de cada uma ali, que poderiam preencher de textura o que vemos, e o filme acaba batendo em uma parede de intenções, sem crescer. 

O resultado é uma estrutura dramática esvaziada, que não consegue alcançar todo o potencial do que poderia ser apresentado. Mesmo a visão onírica que Gomes parece ser responsável por acrescentar, porque faz parte de seu trabalho uma investigação de rasgo onírico no naturalismo, não é explorada a contento também, soando despropositada por sugerir apenas um detalhe. Apesar da situação lacunar potencialmente poder apresentar força, não é o caso aqui, por não conseguir sugerir o que tais lacunas poderiam acrescentar. As personagens de Tuna Dwek e Zezé Motta, por exemplo, participações especiais carregadas do tamanho de suas intérpretes, mas que soam mutiladas, como se muita coisa tivesse ficado no chão da montagem, inexplicavelmente. 

Entre as protagonistas, todas estão excelentes. Do registro de Ribas tão elegante e também desesperado, ou a chave mais intimista de Nomacce sempre reafirmando sua amplitude de aspecto; duas atrizes imensas em cenas que elas ainda elevam com sua química. Naruna Costa é uma atriz que o teatro já consagrou, e que vem ganhando espaço no cinema com as habilidades que ela já demonstrou. Ariane Aparecida é a mais nova do elenco, em idade e experiência, mas nada fica a dever às suas colegas, com extrema convicção sobre o que realiza. Essa era uma outra característica de Teixeira que Escobar e Gomes mantiveram, a direção de atores magistral, ainda deixando claro que todas ali precisavam de mais espaço para expandir um roteiro que parece trancafiado, um bolo gostoso cujo fermento foi propositadamente esquecido de acrescentar. 

Um grande momento
O conflito explode entre mãe e filha, e o estopim é a amiga

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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