- Gênero: Drama, Romance
- Direção: Emmanuel Mouret
- Roteiro: Emmanuel Mouret, Pierre Giraud
- Elenco: Vincent Macaigne, Sandrine Kiberlain, Georgia Scalliet, Maxence Tual, Stéphane Mercoyrol
- Duração: 100 minutos
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Emmanuel Mouret rapidamente conseguiu uma representatividade qualitativa entre a cinefilia com seus filmes aparentemente banais. Apenas aparentemente. De inúmeras maneiras, um filme como Crônica de uma Relação Passageira consegue avançar em discussão cinematográfica muito mais do que muitas Palmas – incluindo a deste ano. Com uma levada, digamos, despretensiosa, está acontecendo Cinema quando Mouret filma as corridas de Vincent Macaigne e Sandrine Kiberlain pelas ruas de Paris. Não é vazio o que se comunica aqui, nem truncado, ou pretensamente politizado. O que há em cena é uma outra ordem de relação política, que é a da autonomia das emoções, da possibilidade concreta de realizar com a sua realidade o que se quer, incluindo errar.
Mouret está dedicado a escavar com maior ou menor profundidade sentimentos muito pouco tratados de maneira intensa. Uma história de amor é visual, como no cinema hollywoodiano, ou cerebral, como na tradição do autor. Tanto em Un Beau Matin quanto aqui, o que percebemos é uma proposta viciante de encarar a vida tida como banal com a mesma sofisticação que o cinema dito “importante”, como se apaixonar, tropeçar, não saber se escolheu a hora certa de avançar ou recuar, fosse menor ou mais leviano. Com as tintas utilizadas aqui, em roteiro e direção, o autor não se conforma em reafirmar uma visão blasé a respeito dos seres e suas relações. Porque não encontrar reverberação estética em algo possível todos os dias, como um dia de verão?
Com controle de seu tempo e condições de tratamento de seus personagens condizentes a uma obra elevada como o é, Crônica de uma Relação Passageira, ao contrário do filme de Mia Hansen-Løve, tem foco único e não imagina que a seriedade é aval para elevar seu material. Quando cito seriedade, estou falando de um caráter que se imaginaria como sisudo e ensimesmado para contar sua história. Isso também não significa falta de identificação ao filme, que flui com um naturalismo quase inocente, mesmo tratando-se de uma premissa que se coloca sabida desde o título. É uma luta contra o relógio para compreender a moldura dessa história, e em quanto tempo cada nova fissura cênica irá fazer rachar uma ideia muito clara e aberta de organização social – um romance que se entende banal, até a página 5.
A banalidade daqueles encontros passam a algo a ser abraçado, ou temido? Na ânsia de não se perder o que se tem, o ser humano cede até às últimas consequências, como se aceitar a dúvida a transformasse em certeza. Mouret filma com profunda alegria e entusiasmo um momento efêmero da vida, uma época onde nos achamos invencíveis por sermos correspondidos em nosso entendimento secreto. Essa empolgação extasiante captura a produção para um lugar oposto ao que está sendo dito e/ou sentido, e isso é uma das magias de Crônica de uma Relação Passageira: em determinado momento da vida, o que está na superfície não corresponde à verdade. O que vêm à tona, então? Ao que nos agarrar, quando o barco começar a partir para outras direções?
No controle de absolutamente tudo, Vincent Macaigne (de Madrugada em Paris) e Sandrine Kiberlain (de Amar, Beber e Cantar) capturam o espírito do que Mouret têm feito – até porque Macaigne até já tinha trabalhado com o diretor – e entregam duas performances de difícil classificação. Dizendo isso pela maneira sutil com que cada certeza torna-se uma dúvida, com que cada dúvida pode estar em um lugar de comprometimento, e tudo siga embolado e se embolando cada vez mais. São dois imensos atores e que reconhecem o tamanho do desafio de interpretar “apenas” alguém apaixonado; as marcações emocionais são feitas com tamanho esmero, refletindo no rosto da dupla seus erros e acertos, que se torna impossível não encontrar identificação em Crônica de uma Relação Passageira.
Mouret, como abri a análise, já conseguiu amealhar um interesse pela sua cartilha, e isso é justificado por um filme como esse novo. Ele consegue aliar alguns pontos de fricção em um mesmo projeto, ao nos aproximarmos de dois corpos/olhos/sentimentos/intenções, para só então nos dizer como tudo aquilo poderia não ser fulgás, mas aí escapa pelos dedos. É um jogo bem requintado de ser escrito e filmado, principalmente pelas contradições estéticas que o autor propõe. Então, mesmo quando estivermos nos identificando mortalmente com o que trata Crônica de uma Relação Passageira, não falta discernimento para encontrar esse cineasta robusto que escolheu acessar o simples e dar complexidade ao material humano que escolheu filmar; é um autor pronto, para onde quiser ir.
Um grande momento
Simon e Charlotte abraçados na cama