Crítica | Festival

Cyclone

Furacões à vista

(Cyclone, BRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Flávia Castro
  • Roteiro: Rita Piffer
  • Elenco: Luiza Mariani, Eduardo Moscovis, Karine Teles, Luciana Paes, Magali Biff, Rogério Brito, Ricardo Teodoro, Helena Albergaria
  • Duração: 99 minutos

Maria de Lourdes Castro Pontes. Daisy. Miss Cyclone. Todas essas mulheres eram a mesma; todas nasceram em 1900 e faleceram em 1919, com apenas 19 anos. Um retrato ficcionalizado dessa mulher é o que vemos em Cyclone, novo filme da diretora Flávia Castro, de Deslembro. Interpretada com uma dose de fúria interior por Luiza Mariani, o filme mostra uma versão sua não-inventada, porém adaptada para uma realidade cinematográfica. Não há a intenção de recriar o íntimo da história de sua existência breve porém arrebatadora (ainda bem), mas sim de usá-la como base para abrir mão de panfletos para organizar um pensamento em torno de um apagamento cruel, porém ainda vigente para o corpo feminino. 

Há um tanto de performance autoral no que Castro elabora em sua realização, ou seja, apesar de não ter medo do escaninho da biografia, Cyclone está menos interessado no que seus códigos representam, no que isso teria de mais brega e antiquado. Com uma história passada há 100 anos atrás, toda a produção está debruçada sobre esse imaginário temporal, mas sem escravizar sua concepção em nome de qualquer tipo de preciosismo. Porque a direção é muito mais criativa do que geralmente é reservado ao subgênero, e prefere fotografar Cyclone em seus detalhes, em suas peculiaridades e em suas relações, esquecendo o tanto de temporalidade que é colocado em cheque em produtos assim. 

A fotografia de Heloísa Passos (de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo) é a mola que move os elementos de um projeto ciceroneado por várias ousadias. Por que suas luzes e sombras são um passaporte que possamos entrar em uma voz que soava o romantismo, mas também estava inserida em muita sabotagem e perseguição. As cores ocres utilizadas conseguem estabelecer um painel com a força da temperatura da paixão, mas também carregar a atmosfera para uma inevitável melancolia, diante do excesso de pequenos horrores perpetrados contra si. Dotado desse tom escurecido, isso não é suficiente para tirar de Cyclone um sentido de redemoinho formal que aposta nessa decisão de maneira consciente, entendendo que sua cor poderia carregar o filme de uma ambiência depressiva, lugar onde o filme não se enquadra. 

Independente do resultado de sua narrativa, o filme é impregnado de um ciclo que ela adotou para si, referente à sua realização pessoal e a forma como lutou para não ser holofote para os outros, e se apagar. O fato de ser dominado por mulheres (e essa fazer parte de uma série de escolhas acertadas da produção) coloca o filme no espaço da representatividade automaticamente, mas isso não é um alçapão direto para a qualidade, e sim um registro que não teria como ser diferente, em 2025. A centralização da história em sua protagonista não diminui o fato de que temos uma maioria de personagens femininos em cena, com olhares diferenciados ao que o filme apresenta, mas muito bem ancorados em sua época. 

É um desenho hábil de uma protagonista revolucionária, mas que pagou esse preço sendo vítima de uma intenção histórica de apagamento, que as novas gerações tentam reconfigurar. Com um elenco incrível de onde Magali Biff (de Pela Janela) se destaca com facilidade, e Luciana Paes (de Animal Cordial) apresenta mais um detalhe de seu talento, Cyclone é repleto de mulheres extraordinárias em seu relevo mas o filme não seria honesto se não dedicasse sua hegemonia à Mariani. Atriz de olhar expressivo, voz marcante e presença cênica hipnótica, Mariani infelizmente não é exigida o tanto que pode oferecer, ou sequer é escalada o quanto deveria. Vê-la como Cyclone é uma aventura feliz e excitante, para uma atriz sem medo de encontrar o obscuro dentro de si, e vestir uma figura cheia de camadas, algumas pouco louváveis, outras bastante polêmicas. Todas encaradas pela atriz com a naturalidade de uma caçadora.

Ainda assim, encontro nas propriedades de realizadora de Castro o acerto maior de Cyclone, porque não encerra o trabalho imagético do filme em obviedades, ou no que se espera de seu recorte. Ainda que o roteiro de Rita Piffer já elaborasse esses códigos menos seguros, é a mão segura da direção que mostra um rumo singelo para o filme, em meio a um arsenal pesado de eventos. Junto a Mariani, Castro retira do filme o véu da depressão para mostrar uma mulher que não cedeu aos ventos opostos, e criou o seu próprio movimento particular. 

Um grande momento
A chegada à estreia

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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