Crítica | Streaming e VoD

Descanse em Paz

Família e liberdade

(Descansar en Paz , ARG, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Sebastián Borensztein
  • Roteiro: Marcos Osorio Vidal, Sebastián Borensztein
  • Elenco: Joaquín Furriel, Griselda Siciliani, Gabriel Goity, Lali Gonzalez, Raul Daumas, Luciano Borges, Ernesto Rowe
  • Duração: 101 minutos

Comento às vezes como a Netflix tem um processo surreal de marketing. Uns dois ou três filmes no mês tem uma propaganda fora do comum (agora em março, o escolhido foi Donzela), e outros tantos, muitas vezes melhores que esse escolhido, são largados na ânsia eterna de sair da marginalidade do streaming. Descanse em Paz acaba de estrear e não sabemos porque foi descoberto, mas o filme ainda bem conseguiu ser visto – e isso aconteceu independente da vontade deles, que não divulgaram nada sobre a produção. O filme é uma produção argentina, com os nomes de Ricardo Darín e seu filho Chino entre os responsáveis, e é um daqueles títulos simples, que tem um ritmo parecido com o de Os Delinquentes, mas com uma pegada pop que lhe cai bem. 

Existe uma investigação acerca da solidão, e de uma mecânica de quem observa o campo familiar como um objeto de adoração. Isso está desde a primeira cena, onde uma festa de aniversário judaico mostra muito bem como os laços familiares têm esse valor inestimável. Mesmo entre os jovens, existe essa necessidade de estar constantemente representando o amor e um bem querer infinito, mas será que isso nos motiva como ser humano? Algo como a individualidade, não é uma meta que se encerra quando temos uma rede de apoio? Descanse em Paz já carrega no próprio título essa dualidade, de quando essa busca nunca cessa – a busca por um estado de espírito onde tenhamos de volta nosso eu particular. 

Sergio conhece bem esse sentimento. Quando ele, por força de muitas circunstâncias, é obrigado a abandonar a própria família, os sentimentos passam por inúmeras camadas. É primordial que o sofrimento exista, dado sua ligação profunda com seus filhos e esposa, mas quando o mundo estava desabando sobre suas costas e de repente você só tem liberdade à sua frente; as coisas então mudam muito rápido na cabeça. O que está disposto em Descanse em Paz não é explícito ao olhar, mas está em entrelinhas sutis: o carinho que chega até uma cadela doente, o rio aberto de possibilidades na chegada. Adaptado de um romance de Martin Beintrub, o filme não limita sua discussão, mas a deixa no limite do campo de possibilidades, pronto para ser acessado pelo espectador mais clínico. 

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Faz sentido que Darín produza o filme, já que três dos seis filmes dirigidos por Sebastián Borensztein é protagonizado por ele (Um Conto Chinês, Kóblic e A Odisséia dos Tontos, três filmes muito bem sucedidos). Até existe um personagem mais ousado aqui, que seria um desafio para o astro, mas que é defendido muito bem por Gabriel Goity. A parceria entre ambos rende mais um título sensível, dessa vez sem espaço para o humor, mas que tem clara identificação popular. Os códigos que são trabalhados por Descanse em Paz são universais na observação da trajetória humana; seguindo a linha tênue entre o amor e a necessidade de encontrar uma saída para a morte, não é estranho optar pela salvação particular, ainda que o futuro nos reserve o desconhecido. 

É como se Charles Dickens fosse brincar na zona policial para mostrar o que aconteceria ao nosso redor quando morrêssemos, e pudéssemos enfim nos dar conta de uma realidade sem nós. Com muitas inserções de gênero, que vão desde o suspense cheio de tensão até o drama mais dolorido, Descanse em Paz não nos convida para possibilidades imersivas mais intensas porque – mais uma vez – não há tempo de desenvolvimento de um roteiro que poderia exibir ainda mais seus dilemas. Conforme é apresentado, a trajetória de Sergio cheia de curvas é montada de acordo com uma cartilha mais acessível a todos; uma minissérie talvez desse conta de carregar de profundidade o que vemos com atenção. 

Como dizem por aí que não temos que exigir de uma produção além do que ela é, o encontro com Descanse em Paz é positivo. Joaquín Furriel (de O Filho Protegido) tem um belo momento, mas o grande nome do filme é Lali Gonzalez. Entrando somente na segunda metade do filme, a moça brilha em um personagem que tinha tudo para ser mais periférico do que é, mas a complexidade que ela apresenta faz de suas cenas as principais, incluindo a última. Bela pedida para o fim de semana, essa é mais um candidato a pérola que a Netflix não deu muita bola e precisamos garimpar na programação. Ainda bem que o público o descobriu, o colocou entre os mais assistidos, e isso vai ajudar o resto dos espectadores a encontrar uma bela surpresa. 

Um grande momento

Vendo o vídeo da filha – e o pós

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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