Crítica | FestivalCrítica | Outras metragens

Descarrego

Os gestos possíveis

(Descarrego , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Joana Claude
  • Roteiro: Joana Claude
  • Elenco: Joana Claude
  • Duração: 10 minutos

Joana Claude assinou Último Domingo junto a Renan Brandão, e uma investigação sobre rigor estético já estava concentrada naquele tratamento, que é elevado algumas potências acima com esse trabalho solo, Descarrego. Reorganizando o que conceito gerais entendem como radicalização de proposta, a cineasta e autora não apenas se coloca no centro da imagem, como o faz indo além da imagem. Ela está em cena também no que conta, na exposição do que é sua narrativa, na decisão de mise-en-scene, na aparente simplicidade do que se filma e do que. Durante rápidos 10 minutos, uma miríade de sensações estão na frente e atrás das câmeras, e o Cine PE 2024 vai ter que se esforçar para ultrapassar seu primeiro plano, a contento. 

Porque é isso, Descarrego não foi apenas o filme que abriu a competição (na seleção de curtas pernambucanos – se estivesse na nacional, teria igual condições de prêmios), mas o seu único plano por 10 minutos é a primeira imagem vista a concorrer a Calungas no festival. Isso é definitivamente um projeto de mensagem para quem está frequentando o evento, porque justamente comunica algo sobre o que veremos sobre os dias a seguir. Claude é responsável não apenas pelo que foi feito, mas pela narrativa muito particular; existe uma narração que a coloca como cabeça pensante do projeto, e progenitora do que está sendo colocado na discussão. E ela evidentemente tem coragem pra multiplicar, indo desde a exposição do relato que viramos testemunha, mas também de imprimir algo tão frontal ao que é contado. 

O que poderia ser de construção simples, nos rápidos 10 minutos se cerca de muito mais elementos disruptivos do que poderíamos imaginar. Porque esse é o tempo onde as ações se mostram mais eficientes; estamos em campo onde as transformações acontecem mais raṕido que em uma narrativa tradicional. Quando menos esperamos, o que estamos vendo se transmuta para algo bem menos prosaico, e o relato igualmente naturalista, ganha traços de horror. Podemos dizer que Descarrego é uma produção onde esse tal horror acaba por invadir a imagem para, em registro ainda acessível, reconfigurar o que estamos assistindo. Saímos então de uma proposta cotidiana para um crescente de denúncia que não cede ao miserabilismo. 

Apoie o Cenas

A câmera acompanha uma única ação em um único plano; nesse sentido, é até fácil pensar em Fantasmas, de André Novais Oliveira. Conforme se aprofunda no que de mais frugal é contado, o espectador percebe que o dispositivo pode ter encantado Oliveira e Claude, mas os fins não poderiam ser mais disparatados. Se lá no início da Filmes de Plástico eles já olhavam para essa situação com afeto, em Descarrego nada além da violência pode invadir o resultado final. E de repente, algo que dura tão pouco se transforma em algo tão incômodo que a impressão que temos é que o tempo se molda para um lugar ainda mais agressivo, porque não se encerra, no que o processo envolvendo o fogo mostra-se ainda mais terrível. O que parecia ser uma saída, acaba aparentando ainda mais apavorante quando as ações não dão certo no tempo da protagonista, encerrando-a no horror. 

A sensação, ao término de Descarrego, é a de que aconteceram mais coisas por dentro de sua personagem que cabia em uma vida, mas isso não torna a mão de Claude na direção, pesada. Isso não é sinal apenas de talento, mas principalmente de conseguir externalizar e transformar em catarse uma tragédia pessoal. Antes que se imagine que a diretora constroi uma via crúcis de sofrimento que é aplacada em final elevado, tudo aqui é mínimo, incluindo o revolucionário ato de vingança tardia. É o que se conseguiu fazer, essa é sensação quase limitante ao acompanhar seus destroços sendo, enfim, transformados em concreto. Apenas com a expectativa para o último dia de exibições, nada foi maior no Cine PE 2024 do que o arrasa quarteirão Descarrego

Um grande momento

Fósforos

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo