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Deslembro

(Deslembro, BRA, 2018)
Drama
Direção: Flávia Castro
Elenco: Jeanne Boudier, Hugo Abranches, Sara Antunes, Jesuíta Barbosa, Eliane Giardini, Julián Marras, Arthur Raynaud, Marcio Vito
Roteiro: Flávia Castro
Duração: 97 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

Como Joana (Jeanne Boudier), jovem protagonista de Deslembro, a diretora Flávia Castro viveu parte de sua infância e adolescência no exílio (primeiramente no Chile, depois na Europa). Filha de militantes de esquerda perseguidos pela ditadura militar brasileira, ela também retornou a seu país com a aprovação da Lei da Anistia, em 1979. Castro abordou sua trajetória de errância em Diário de Uma Busca (2010), documentário protagonizado por seu pai, Celso Castro, personagem interessantíssimo, revolucionário que, retornado ao Brasil num contexto de autocrítica das esquerdas em relação à luta armada e inserção delas no jogo democrático, não se encaixou nessa nova realidade e acabou morto em circunstâncias suspeitas. Já no centro de Deslembro estão as experiências da própria diretora.

Mas também há no filme uma forte presença, manifesta na ausência, da figura paterna. O progenitor de Joana, diferentemente do da diretora, foi assassinado por seus torturadores antes que pudesse se exilar. Sua morte assombra a garota em pequenos fragmentos de memória, filmados por Castro com uma câmera subjetiva produtora de imagens turvas e oníricas, nas quais poucas coisas parecem fazer sentido pleno. A ponto de Joana, em determinado momento, acreditar ser culpada pela prisão do pai, por ter verbalizado seu verdadeiro nome em meio a uma reunião política clandestina. Essas cenas estão entre os principais êxitos de Deslembro, pois caracterizadas por uma encenação verossímil de experiências memoriais e de seus efeitos no presente.

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Esse destaque dado a uma certa orfandade em contexto autoritário, aliás, aproxima Deslembro de outros filmes sobre a ditadura militar brasileira, como Nunca Fomos Tão Felizes (1984), de Murilo Salles, e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2007), de Cao Hamburger, cujos personagens centrais também são separados do pai (ou dos pais) em decorrência da violência política da época em que vivem. Principalmente o filme de Salles guarda semelhanças com o de Castro, tanto pela faixa etária de seus protagonistas, o que acresce às respectivas histórias uma série de descobertas próprias da adolescência, quanto pelo tom intimista adotado. E ambos são bastante delicados nessa abordagem.

O interesse pela experiência íntima em meio à macropolítica contribui aqui para a construção de uma imagem da própria memória nacional como fragmentada, fraturada, incompleta. Os silêncios impostos pelas circunstâncias de uma transição negociada para a democracia, de uma anistia que impôs o perdão a torturadores e assassinos como contrapeso à autorização para o retorno dos exilados; a incapacidade do Estado de dar respostas sobre o paradeiro de desaparecidos políticos, algo que gera efeitos mesmo no cotidiano mais banal de Joana, impossibilitada de participar de uma mera excursão da escola em razão da inexistência da certidão de óbito de seu pai. Emerge daí uma sociedade desconhecedora de seu próprio passado recente, ignorante a respeito de si mesma, sempre disposta a seguir, outra vez, velhos e violentos caminhos.

Um Grande Momento:
O banho ao som de “Três Apitos”.

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[Festival do Rio 2018]

Wallace Andrioli

Wallace Andrioli é crítico de cinema e historiador, apaixonado pelos filmes de Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Clint Eastwood e Edward Yang.
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