12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men) é um longa de 1957, dirigido por Sidney Lumet, que retrata o júri formado para julgamento de um jovem porto-riquenho (John Savoca) acusado de ter matado seu próprio pai.
O filme se passa majoritariamente dentro da sala de deliberações, onde se reúne o conselho de sentença, a fim de debater e decidir pela condenação ou absolvição do jovem, e após longos e calorosas discussões, demonstra o conselho atingindo a unanimidade dos votos, exigida para o julgamento.
12 Homens e Uma Sentença é um clássico, normalmente apresentado em universidades de direito, para que as os estudantes tenham contato com a forma que se dá o Tribunal do Júri nos Estados Unidos, verifiquem a diferença entre o Júri brasileiro e o norte-americano, bem como estudem alguns tipos de falhas que podem ocorrer nestes julgamentos.
Inicialmente, cumpre destacar que o Tribunal do Júri brasileiro e norte-americano, embora sejam compostos por um conselho de sentença formado por jurados, que decidem pela absolvição ou condenação do réu, têm inúmeras diferenças, das quais se destacam o número de jurados (no Brasil, são 7 jurados; nos EUA são 12 jurados); a comunicabilidade dos jurados (no Brasil, os jurados não podem conversar entre si, enquanto nos EUA eles devem deliberar para decidir); o tipo de crime processado (no Brasil, o júri é competente somente para julgamento de crimes dolosos contra a vida – homicídios com a intenção de matar –, enquanto nos EUA qualquer tipo de crime é julgado pelo júri); a condenação (no Brasil, como os jurados estão incomunicáveis, a votação é secreta e a contagem de votos se encerra quando é atingida a maioria dos votos, ao passo que nos EUA, a decisão do júri deve ser unânime, para absolver ou condenar); e as penas (no Brasil, a pena máxima possível é pena privativa de liberdade, a qual, na prática, não poderá passar de 30 anos de duração, ainda que o réu seja condenado a mais tempo – por exemplo: alguém condenado a 120 anos de prisão somente restará preso por 30 anos –, ao passo que nos EUA, há estados que prevêem penas de morte e prisões perpétuas).
Feitas as devidas diferenciações, é inegável que o filme traz à tona importantes críticas ao Tribunal do Júri:
A primeira crítica é no tocante à indicação de pessoas leigas para decidir a vida de alguém, tal qual se faz no júri. É importante lembrarmos sempre que, após a condenação de um indivíduo, sua vida nunca mais será a mesma, quer em um país onde haja pena de prisão perpétua, ou de morte, como nos Estados Unidos, quer em um País onde não haja pena perpétua, mas, ainda assim, a nuvem da condenação sempre paira sobre a cabeça daquele que, por mais que tenha cumprido sua pena e sido reinserido à sociedade, permanecerá eternamente etiquetado como “criminoso” e, consequentemente, com dificuldades para conseguir empregos, reestruturar-se no âmbito familiar, obter empréstimos e etc.
Como, então, deixar uma pessoa leiga decidir a vida de alguém? Sendo essa decisão tão importante, não deveria a mesma ser proferida por um juiz togado, com amplo conhecimento sobre a legislação e sobre as consequências de aplicação da pena?
É justamente em um cenário onde leigos definem a vida dos réus, que podemos ver jurados incomodados com “a demora” dos advogados em suas defesas; com a “baboseira” dita pela defesa; e com o tempo despendido para decidir um caso que poderia ser resolvido de maneira célere com todos (no caso do júri dos EUA) ou com a maioria dos jurados (no caso do júri brasileiro) votando rapidamente pela condenação, para que, assim, eles não perdessem seus compromissos “mais importantes” do que decidir a vida de alguém, bem como é representado no início do filme.
É também neste cenário que a versão da acusação costuma ganhar maior respeito por parte dos jurados, afinal, o promotor está a favor do Estado e da lei, enquanto o advogado é apenas alguém pago para defender um criminoso. Todavia, este pensamento desconsidera que, mais do que defender cegamente a aplicação da lei, devemos defender os direitos fundamentais de todos os indivíduos acima de qualquer coisa e, inclusive, este trabalho também compete ao promotor de justiça, que, além de parte acusatória em um processo criminal, atua como fiscal da lei, garantindo que os direitos e garantias fundamentais sejam devidamente cumpridos. Porém, ao cercear o direito de alguém de ter um julgamento justo, por se entender que a versão acusatória merece mais atenção do que à versão defensiva, fundado em simples apreço ao promotor ou desapreço ao advogado (o que não é raro de acontecer no júri), viola-se os direitos fundamentais do réu.
Outra questão importante é a violação do princípio da presunção de inocência (in dubio pro reo), um princípio importantíssimo ao Direito Penal, que garante que o Estado não seja meramente punitivista, mas, ao revés, condene apenas aqueles que, de fato, tenham praticado crimes, apontando provas suficientes para indicarem a autoria e a materialidade do delito, sendo dever da acusação angariar tais provas, e não dever do indivíduo provar que não cometeu o crime do qual é acusado (em outras palavras: quem alega, prova).
Não por outra razão é que se determina que todos somos inocentes, até que se prove o contrário, portanto, este princípio é caro ao direito e ao Estado Democrático, garantindo a todos um julgamento justo e uma condenação fundamentada e impedindo os abusos estatais, na medida em que cria ao Estado um limite para aplicação da pena: só pode ser aplicada a pena ao sujeito condenado, e só pode ser condenado aquele cujas provas indiquem a autoria de um fato criminoso.
Contudo, o Tribunal do Júri permite que o princípio do in dúbio pro reo seja deixado de lado e alguém seja condenado pelo simples fato de “parecer” culpado, ou pelo fato de a versão acusatória, por mais que tenha inúmeros furos, ser mais divertida que a versão defensiva, afinal, o júri não precisa fundamentar suas decisões, mas apenas entregar seu veredicto ao juiz presidente.
Inclusive, ao longo de 12 Homens e Uma Sentença, parece que o único jurado que leva em consideração este princípio, é o Jurado 8 (Henry Fonda), que o tempo todo repete não estar dizendo que o réu é inocente, mas estar dizendo que “é possível” que ele o seja, isto é, havendo a possibilidade de que o réu não tenha cometido o crime, surge a chamada “dúvida razoável” (reasonable doubt), à qual se referiu o juiz presidente do júri nos primeiros minutos de filme, que garante o benefício da dúvida em favor do réu, fazendo viger o princípio da presunção de inocência… ou deveria fazer, caso o júri não fosse composto por leigos e que não precisam sequer fundamentar suas condenações.
Não é demais mencionar que nenhum leigo é obrigado a compreender o conceito de “dúvida razoável”, “presunção de inocência” ou qualquer outro jargão jurídico – e isso não é motivo para embaraços, ao contrário do que faz parecer o Jurado 7 (Jack Warden), quando questionado se sabia o que “dúvida razoável” queria dizer – e, inclusive, exigir tais conhecimentos de qualquer pessoa que não tenha cursado Direito, seria cruel por parte dos legisladores, e é exatamente por isso que no júri tal princípio pode simplesmente ser deixado de lado, ainda que isso signifique a condenação injusta de alguém.
O longa ainda evidencia bem o denominado “quadro mental paranóico” que se forma quando há um primeiro contato dos indivíduos com o processo, isto é, assim que se analisa a denúncia, de pronto, forma-se uma convicção se o sujeito denunciado é ou não responsável pela prática do ilícito. A partir desta convicção, caso o julgador não tome cuidado em ser devidamente imparcial, ele simplesmente considera como válidas tão-somente as provas que confirmem aquela sua primeira convicção, de modo que a defesa e o contraditório tornam-se inúteis.
12 Homens e Uma Sentença deixa claro este “quadro mental paranóico” do júri ao início do filme, na medida em que mostra onze jurados completamente convencidos da culpa do jovem réu, e indispostos a conversar sobre a possibilidade de tal conclusão por eles tomada ter sido equivocada, ao mesmo passo em que, uma vez questionados o porquê de entenderem pela condenação do jovem, sequer sabem justificar e utilizam argumentos fracos e sem embasamento jurídico.
Outra cena que evidencia tal fenômeno é quando o Jurado 10 (Ed Begley) passa a criticar a atuação do próprio promotor, outrora visto como um homem sério, imponente e convincente, quando levantam o questionamento acerca da faca utilizada para matar a vítima. Rapidamente, disposto a lutar com unhas e dentes pela primeira convicção que formou ao ter contato com o processo e com a ficha criminal do réu, o jurado desdenhou da acusação, dizendo que, em verdade, o tal promotor era apenas um assistente de acusação, portanto, não merecia tanto crédito assim.
Igualmente, o Jurado 3 (Lee J. Cobb), incomodado porque alguns de seus pares estão dispostos a alterar seus votos e inocentar o réu, chega a falar em alto e bom tom que o rapaz é culpado com toda a certeza – apesar de todas as provas indicando dúvidas razoáveis – e que o júri irá deixá-lo “escapar pelos dedos”, como se fosse ele o responsável por acusar, julgar e executar o réu, evidenciando, claramente, a arbitrariedade que provém deste tipo de julgamento parcial.
Por outro lado, é o Jurado 11 (George Voskovek) que critica esta fixação dos jurados que votaram como “culpado”, ao trazer uma nova perspectiva para analisar os fatos demonstrados na Corte e, uma vez perguntado “você votou ‘culpado’, de que lado você está?”, ele responde que “não precisa ficar fiel a um lado ou outro”, demonstrando a imparcialidade que se busca sempre em qualquer julgamento (mas é rara tanto no júri, quanto no Tribunal comum).
Este fenômeno ocorre a qualquer julgador parcial e é ainda mais comum no júri brasileiro, porquanto no Brasil não há discussão entre os jurados, para condenar ou absolver o réu, de modo que aquele jurado que tenha se convencido pela versão acusatória, desde sua convocação ao júri, tenha entrado no “quadro mental paranóico” e tenha ignorado, por completo, toda a versão defensiva, considerando apenas as provas e alegações que confirmassem sua primeira convicção, jamais mudará seu voto, ainda que isso viole diretamente os direitos à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.
Além desta parcialidade fundada em um preconceito sobre o caso e na formulação da condenação mental antes mesmo do acesso às provas e aos depoimentos, há também a relevante questão sobre os preconceitos anteriores ao processo, anteriores à condenação, anteriores ao conhecimento da causa, fundados por costumes e padrões sociais, que indicam qual a cor da pele de um assassino, que tipo de lugar ele mora, bem como que tipo de comportamento se deve esperar de pessoas que morem naquele mesmo lugar e tenham aquela mesma etnia.
Tais preconceitos são retratados ao longo de 12 Homens e Uma Sentença e, assim como esboçado no filme, infelizmente são fatores cruciais para a condenação de diversas pessoas. Vale destacar, aqui, que a decisão do júri não precisa ser fundamentada e, portanto, se a mesma é derivada de preconceitos, ao invés de fundar-se nas provas dos autos, nem nós, nem o próprio condenado, nunca saberemos a verdadeira razão por trás daquela condenação.
Neste sentido, resta evidente que o Tribunal do Júri é extremamente falho, permite inúmeras arbitrariedades e injustiças, apesar de ser, justamente, o que define as maiores penas no Brasil na medida em que é o método para processamento e julgamento dos indivíduos acusados da prática de crimes dolosos contra a vida.
(12 Angry Men, EUA, 1957, 96 min.)
Drama | Direção: Sidney Lumet | Roteiro: Reginald Rose
Elenco: Martin Balsam, John Fiedler, Lee J. Cobb, E.G. Marshall, Jack Klugman, Edward Binns, Jack Warden, Henry Fonda, Joseph Sweeney, Ed Begley, George Voskovec, Robert Webber