Crítica | Streaming e VoDDestaque

Doi Boy

Excesso de contemplação

(Doi Boy , TAI, CAM, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Policial
  • Direção: Nontawat Numbenchapol
  • Roteiro: Homsap Chanchana, Prasongsom Koonsombat, Prakit Laemluang, Nakorn Phopairoj, Nontawat Numbenchapol
  • Elenco: Awat Ratanapintha, Arak Amornsupasiri, Bhumibhat Thavornsiri, Panisara Rikulsurakan, Ornjira Lamwilai
  • Duração: 95 minutos

A Tailândia não costuma exportar um cinema que não seja, digamos, atmosférico em demasia. Estreia da Netflix, Doi Boy não é diferente do que a tradição nos mostra, mesmo que a sugestão fosse inicialmente outra. Quando se inicia, vemos uma profusão de garotos (e garotas) de programa em boates caindo aos pedaços; um deles, tem um encontro com um policial, e logo entendemos que aquele momento é constante. Tudo estaria em caminho de desenvolvimento a partir daí, mas a seguir a narrativa passa a se complicar cena a cena com camadas ininterruptas de eventos de sobrepondo. Ao fim da jornada, precisamos fazer uma retrospectiva mental para tentar tirar da pilha de acontecimentos o sentido que nos leve para o avanço das situações. 

O cineasta Nontawat Numbenchapol, na dúvida de que tipo de teor gostaria de apresentar à narrativa, escolheu vários e seguiu em frente tentando apresentar coerência em todos. A tarefa era tão impossível que em determinado momento fica óbvio que a junção não deu certo, e o espectador segue até o fim esperando novos acréscimos de mudanças de ritmo. Era lógico que a intenção não era divertir, mas esquecer personagens, prometer muitas coisas ao mesmo tempo e seguir criando novas e diferentes saídas para os protagonistas não é a melhor forma de angariar admiração. Doi Boy não se assume como nenhuma das vertentes apresentadas, e apenas segue em frente como se mudasse de roupa a cada nova apresentação. 

Como trata-se de uma produção tailandesa para o streaming, Doi Boy é um fime que fala sobre prostituição, sobre homossexualidade masculina, sobre corrupção policial, e nada disso é explícito – nem o sexo, nem o afeto ‘queer’, nem a violência. Ainda que o espectador precise compreender os limites etários que cada região do mundo imponha a certos temas, será que não era mais apropriado abordar outros universos? Porque a credibilidade do filme é comprometida com o abrandamento de situações quando, por exemplo, vemos dois homens “pelados” na cama, sem maiores demonstrações de intimidade, ou um homem mate outro onde quase a câmera se afaste do ato. É quase como se fôssemos assistir uma produção cristã sobre esses assuntos. 

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Além de tudo, são tantas reviravoltas de personagens e tramas, que o filme provoca mais enfado do que excitação. O protagonista era um monge, que virou soldado de guerra, que virou garoto de programa, que virou amante de um homem casado, que virou testemunha de um crime, que virou pajem de um outro personagem ‘queer’… os noventa minutos da produção parecem muito mais, porque Doi Boy não para de inventar novas realidades. Não demora para que algo parecido com uma fórmula (se é que existiu uma) se esgote e siga arrastando corrente pelo resto da duração, onde pouca coisa faz sentido. As interações e motivações não são compreendidas, e não por serem herméticas, mas porque as ações parecem jogadas na nossa direção, sem muita vontade de soar crível. 

Logo, os romances não têm muita importância, e muito menos os crimes; em determinado momento, tudo está tão descaracterizado, que temos a impressão é de que algum outro autor assumiu o quadro geral sem ler seu início. No miolo do que é apresentado, no entanto, algo funciona ainda, e temos esse trio de personagens que não tem muita conexão em uma jornada emocional apenas repetitiva e desinteressante. Doi Boy foi escrito a dez mãos, e isso fica muito claro ao longo de sua duração, o que não fica é o motivo pelo qual uns não leram os textos dos outros, apenas entregando um monte de coisa escrita e o diretor seguir filmando tudo que foi parar em sua mão, com maior ou menor sentido. Uma pena, porque a premissa era interessante, mas fica a impressão de que não é todo ‘slow cinema’ que pode ser salvo do incêndio. 

Um grande momento

O primeiro encontro dos protagonistas

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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