- Gênero: Comédia
- Direção: Martin Sofiedal
- Roteiro: Emanuel Nordrum
- Elenco: Axel Bøyum, Fredrik Skogsrud, Ingrid Bolsø Berdal, Evelyn Rasmussen Osazuwa, André Sørum, Mathias Luppichini, Eirik Hallert, Ingar Helge Gimle, Cecilie Svendsen, Rune Temte
- Duração: 114 minutos
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Somos transportados diretamente para os anos 80 e as fitas de ficção científica ordinárias (algumas assumidamente cômicas, como aqui) nessa estreia da Netflix, o incomum Dois Amigos e uma Ameaça Alienígena, produção norueguesa sui generis que pode muito bem cair numa vala comum. A intenção da crítica de cinema é buscar diálogo com a obra analisada, mas também possibilitar a ponte entre obra e espectador, cruzando análises e propagando a discussão. Não há discussão quando não há descoberta, certo? Então, um texto crítico também serve como motivador de descobertas, muitas vezes desse calibre. Como não estamos falando de um filme protagonizado por Chris Hemsworth ou Adam Sandler, essa ideia faz sentido. E independente do que será absorvido aqui, trata-se sem dúvida de um produto do streaming que precisa ser visto.
Não, não se trata de uma obra inovadora, fora do comum, de qualidade nunca antes vista – a modéstia, aqui no caso, é absolutamente responsável pela simpatia do projeto. Inserido em um contexto cômico, o filme acaba por suscitar algo bem inusitado; não estamos diante do projeto mais hilariante já visto, pelo contrário. O humor utilizado aqui é pouco eficaz, ao menos para quem a idade (e o espírito) já não coaduna com a adolescência, e exatamente do humor mais rasteiro do período. Porém, em paralelo à máxima de que “uma comédia precisa fazer rir”, Dois Amigos e uma Ameaça Alienígena produz no espectador uma gama de possibilidades maior do que a gargalhada rasgada que as melhores comédias extraem. Não que eventualmente esse riso não surja, mas especificamente para o crítico que vos escreve, o filme funcionou para outras finalidades.
A primeira delas já foi descrita. Acessar a nostalgia, e continuar levando esse sentimento por sua extensão, talvez seja a mola que explique não apenas o sucesso desse título, mas que compreenda a indústria cinematográfica dos últimos anos. A necessidade de continuações inexplicáveis e intermináveis, de novas adaptações de gibis de heróis que líamos na infância, de acessos novos a personagens que já tem compreensão afetiva em nós. Enquanto escrevo esse texto, Top Gun: Maverick, o supra-sumo da nostalgia, alcançou o bilhão de dólares mundiais, provando essa tese – mas somente a nostalgia não se sustenta, ao menos não por muito tempo. A mesma qualidade aplicada no longa de Joseph Kosinski está aqui, em escala bem menor, mas o suficiente para que mereça um olhar menos endurecido do espectador.
Assistir a Dois Amigos e uma Ameaça Alienígena foi, de alguma maneira, acessar a títulos como Invasores de Marte, Força Sinistra, até Viagem ao Mundo dos Sonhos, ou algo que una esses títulos. Não é à toa que Tropas Estelares é citado em cena; a comunicação que se pretende é exatamente essa, e o filme, com sua lógica interna bem defendida em torno de acontecimentos tão ridículos, funciona ao acessar esse passado, mas também em criar um sentido para seu universo particular. Dentro de sua zona, o filme dirigido por Martin Sofiedal precisa encontrar em seu público um personagem como Sebastian, o protagonista. Através do que é acessado por esse personagem, um cara com a necessidade de se fazer mais sério e responsável do que suas raízes permitem, o espectador pode não apenas recuperar esse saudosismo, como também experimentar os dilemas do mesmo.
Trata-se, nas entrelinhas, de outro filme que, como Esperando Bojangles, tenta comunicar sobre a queda da inocência, e de como abrir mão da fantasia pode ser prejudicial, em um mundo assolado pelo realismo extremo. Aqui desenvolvido com as tintas do cinema de gênero, essa temática também é observada de uma maneira positiva, sem uma espécie de recriminação que pode ser constatada ao longa francês. Aqui é o caso oposto; só o retorno ao que é sua gênese pode salvar sua própria existência, e fazer sentido dentro do todo. Sebastian, o homem que decidiu aposentar o Peter Pan, precisa reencontrar Mikkel no meio da tal ameaça do título, durante sua despedida de solteiro, para recordar um tempo onde ele era especial, e não mais um burocrata de plantão.
Além de todas essas questões, Dois Amigos e uma Ameaça Alienígena ainda é uma ode à meninice, visto quase como um estado de espírito no filme. Sem deixar de recorrer à uma menina quando necessário (e a policial vivida por Ingrid Bolsø Berdal é uma homenagem clara à Marge Gunderson que premiou Frances McDormand em Fargo), o filme mostra essa reunião entre cinco homens que parecem iguais, mas não são. Em comum, eles têm o fato de que nunca deixarão de ser o que são, meninos doidos para brincar de polícia e ladrão, como todo menino. Deixar essa veia fazer sentido de novo é a porta de entrada para uma vida mais leve? Não necessariamente, mas o mundo está tão mal humorado, que a fala de Mikkel é crucial para percebermos que se levar menos a sério pode ser um atalho que acabe beneficiando a todos.
Um grande momento
A cena pós-créditos