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E a Festa Continua!

O brilho dos encontros comuns

(Et la fête continue!, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Drama, Romance
  • Direção: Robert Guédiguian
  • Roteiro: Robert Guédiguian, Serge Valletti
  • Elenco: Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard Meylan, Lola Naymark, Robinson Stévenin, Gregoire Leprince-Ringuet, Alice da Luz, Xavier Matthieu
  • Duração: 100 minutos

Robert Guédiguian criou, sem muito alarde, uma marca autoral que tem alguma ligeira semelhança com outras assinaturas, mas que esse diretor específico soube moldar como poucos ao seu próprio universo de linguagem. Com isso, até podemos sentir algum aroma previamente conhecido, mas para quem já conferiu produções anteriores ou a filmografia inteira (por exemplo, As Neves do Kilimanjaro, O Fio de Ariane ou seu último anterior, Mali Twist) o que se vê em E a Festa Continua! é uma celebração, de amizade e carreira. Aos 70 anos, o cineasta parece cada vez menos interessado em sair dessa zona que escolheu para si e sobre a qual domina. Os espasmos para outro outro olhar acabam soando como exceção, porque a regra dele está impressa literalmente no título escolhido dessa vez. 

O barato de ser um autor como Guédiguian (ou como Woody Allen, ou Eric Rohmer, ou qualquer outro que o valha enquanto mantenedores de narrativas afins) é até criar sim um microcosmos em si mesmo, fazendo com que sua assinatura seja definidora. Mas a partir desses espaços em comum, promover detalhes de diferenciação que permitam esse jogo sempre avançar. Vejam um dos seus filmes mais recentes, O Mundo de Glória, onde ele aborda um núcleo familiar amoroso e politizado envolto em seus conflitos mundanos. Pois E a Festa Continua! trata justamente sobre uma outra configuração familiar e suas conquistas e pequenezas. Com os parceiros de inúmeros trabalhos, é como se estivéssemos na mesma companhia de teatro acompanhando novas montagens para um grupo veterano. 

É tudo tão íntimo quanto frugal nessas relações familiares que se interseccionam aqui, promovendo um rearranjo que parece não ter razão para se encerrar. Não cabe o título de família disfuncional aqui, mas sim o de grupos familiares em plena expansão, ainda que a mesma seja internalizada. São dois irmãos mais velhos, que de repente se vê novamente assolado pela lembrança do pai falecido, e que precisa lidar com as dores dos respectivos filhos, suas conquistas, e a (re)descoberta do amor para ambos. Parece sufocante e até excessivo, mas E a Festa Continua! não é sobre a dificuldade de cada peça humana do quebra-cabeça, e sim sobre como aquelas pessoas não apenas estão juntas, como também é dessa união que elas se fortalecerão, individual e coletivamente.

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Assim como Ken Loach, talvez todo filme de Guédiguian seja político – independente do “cinema ser um ato político por si só”. Seus personagens são um reflexo do que ele é, filho de uma alemão com um armênio, cuja filha imigrou para França após o genocídio. Membro do partido comunista, assistir aos seus filmes protagonizados por sua mulher há 50 anos, Ariane Ascaride, é provavelmente como observar as próprias reuniões entre amigos e familiares deles. Por isso sua filmografia, repleta de amigos e com temas do qual eles discutem na verdade, soa tão cheia de vida – porque, de verdade, esses são pedaços de seus cotidianos. E a Festa Continua! não muda essa conotação, mas descobre sim algum detalhamento que descortina a novidade.

Aqui, existem além do já tradicional clima familiar que invade cada fotograma, também está revestido um sentido de comunidade mais explícito, que desemboca em uma solidariedade igualmente exposta. E a Festa Continua! tem como pano de fundo a queda de dois prédios no centro de Marselha, que deixaram muitos mortos, e a onda de busca por culpados e ajuda comunitária surgida naturalmente após o evento. Seus personagens estão inseridos nesse contexto, vivendo aqueles dias posteriores e descobrindo novas formas de lidar com o próximo, assim como revelando tanto de suas personalidades a partir desse componente emocional. A partir do encontro entre dois de seus protagonistas, mais uma vez vividos por Ascaride e Jean-Pierre Darroussin, nos envolvemos com a naturalidade da criação desse novo braço familiar. 

É comum que sua esposa e seu amigo tenham desempenhos de muita qualidade em seus filmes, mas é especial encontrar todo o brilho no olho de Darroussin como aqui. Ator imenso que trabalha geralmente dentro desse registro que conhecemos do cinema de Guédiguian, não tem na França todo o reconhecimento que mereceria. Aqui, temos o ator concentrado nesse personagem que está descobrindo coisas novas, um caminho de possibilidades não vividas com a filha, com a comunidade e com a descoberta de um novo amor aos 70 anos. Se é fascinante sempre percorrer os muitos caminhos que o diretor nos apresenta ao longo de seus delicados jogos pessoais, aqui tal jornada ganha mais frescor através do calor que ele extrai dos olhos de seu amigo. 

Um grande momento

Rosa e Henri gritam, de uma calçada a outra

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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