Crítica | Catálogo

Mali Twist

Política da ação

(Twist à Bamako, FRA, CAN, SEN, ITA, MAL, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: Robert Guédiguian
  • Roteiro: Robert Guédiguian, Gilles Taurand
  • Elenco: Stéphane Bak, Alice da Luz, Issaka Sawadogo, Bakary Diombera, Saabo Balde, Diouc Koma, Ahmed Dramé, Miveck Packa, Aïcha Dramé, Roger Sallah, Youssuf Djoara Mbadi
  • Duração: 126 minutos

Não importa separado por quanto tempo entre o nosso e qualquer passado, o cinema de Robert Guédiguian sempre foi uma massa política discursiva. Menos ou mais naturalista, sua autoralidade se conecta a esse recorte narrativo. Sem querer parecer como um Costa-Gavras, a política nos filmes de Guédiguian também está nos corpos, nas relações, nos gestos, para além do discurso. Esse seu novo Mali Twist, estreia de hoje nos cinemas, é a compreensão definitiva dessa cepa de seu cinema – ainda que se faça política, e aqui se faz essencialmente isso, a paixão precisa ir a lugares ainda maiores, que extravase o corpo e as vozes e se faça concreta. E acima de tudo aqui, o clichê de que amar talvez seja o maior ato político de todos.

É quase óbvio imaginar que Mali Twist seja o mais próximo do que seria um longa de ação produzido por Guédiguian. Adepto de narrativas extremamente dialogadas, quase sempre escritas no limiar do brilhantismo, aqui a palavra dita tem tanto peso quanto a confecção do plano, além de uma cadência de ritmo sempre para frente. É como se estivéssemos à espreita de uma estratégia de adrenalina pronta para ser descarregada, a tal ponto de esquecermos que o francês nunca tinha nos preparado para isso, lógico que seria uma ilusão nossa. Porém somos sim afrontados com doses de tensão crescente, em um campo de entendimento quase do policial. Sem dúvida que representa um novo capítulo dentro de uma filmografia incensada com algum conforto, do qual aqui ele pede férias.

Mali Twist
AGAT Films

Completando 69 anos na próxima semana, o diretor absolutamente se lança sobre um todo novo. Da ambiência ao formato, passando pela opção em suprimir seu discurso formal e apoiar novas formas de significação política. Aos 40 anos de carreira, Mali Twist é uma radical proposta de diferenciação, quase como um sinal dos tempos. Com 21 filmes anteriores na carreira, esse seu novo é uma prova da coragem de Guédiguian para essa tal experimentação, e que aqui sustenta uma levada popular quase de gênero. Ainda que em Lady Jane tenha havido um flerte com o suspense, aqui o drama histórico se faz presente com mais ênfase, e o autor se comporta com empenho e destemor pelo novo caminho. 

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Responsável por filmes tão meticulosos como As Neves do Kilimanjaro e O Mundo de Gloria, aqui não há os tão calorosos encontros de antes, os momentos íntimos que parecem tão comuns, a discussão tão presente e verdadeira a respeito de nosso tempo. Ainda que haja uma imensa ponte para o hoje, Mali Twist tem base histórica em todos os contextos, inclusive na forma arcaica com que certas tradições são mantidas. É o continente africano recém independente representado pelo Mali que invade essa filmografia para se fazer pertinente a esse diretor tão particular, aqui chega ao coletivo. No peso geral, apesar da bem-vinda lufada de novidade, essa nova produção não está entre seus momentos mais elevados. 

Mali Twist
AGAT Films

Talvez a pressão dessa história externa ao seu universo particular tenha pesado, e o que vemos é um Robert Guédiguian tímido. Com muito cuidado e igual distanciamento, o autor de A Cidade está Tranquila está tão intimidado com o peso e a estrutura narrativa, que deixa de mostrar sua essência. O que fica de mais chamativo em Mali Twist é a relação do irmão do protagonista com todos que o cercam, promovendo uma pouco disfarçada anarquia ante os dois lados da história. O discurso, o debruçamento sobre o comunismo, e a história de amor central, tem as digitais de Guédiguian, mas todo o resto, as costuras, as tramas paralelas, são uma diluição do trabalho dele com as pegadas borradas, apenas a intenção.

Ainda assim é uma assinatura pesada a desse moço Guédiguian, por tanto que pareça uma condensação. A julgar pelo elenco visto aqui, por exemplo, podemos dizer que o cineasta continua exímio condutor de atores, todos com segurança e muitos com sinais de brilho. Mali Twist é o mais amplificado filme do cineasta, e o espectador que começar a filmografia por aqui, com certeza vai estranhar e muito ao chegar nos outros. Aqui temos somente o perfume do diretor, quando a gente quer muito mais desse cara, já que ele nos acostumou muito mal com mergulhos muito profundos tanto sobre as pessoas do que sobre um tempo, e aqui o período parece ter ganho o destaque principal.

Um grande momento

A primeira noite

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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