Crítica | CinemaDestaque

É Assim que Acaba

Mais do que aparenta

(It Ends with Us, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Romance, Drama
  • Direção: Justin Baldoni
  • Roteiro: Christy Hall
  • Elenco: Blake Lively, Justin Baldoni, Jenny Slate, Brandon Sklenar, Amy Morton, Kevin McKidd, Hasan Minhaj, Isabela Ferrer, Alex Neustaedter
  • Duração: 122 minutos

Baseado em um livro escrito por uma mulher (Colleen Hoover), adaptado por uma mulher (Christy Hall), produzido e estrelado por uma mulher (Blake Lively), com uma narrativa que fala diretamente a questões femininas, de empoderamento, a ascensão de uma toxicidade masculina, maternidade… porquê É Assim que Acaba é dirigido por um homem? Justin Baldoni, também co-protagonista do filme e diretor de alguns episódios de séries de TV, estreou nos cinemas em outro título de contexto igualmente puxado para o feminino, A Cinco Passos de Você, e aqui encara algo desnecessário. Jamais vamos saber se o teor da obra mudaria com uma mulher na direção, porque muitas encabeçam a direção de suas áreas, assim sendo o projeto também passou por elas, sendo aprovado, rodado e agora lançado. 

Os problemas de É Assim que Acaba talvez se comuniquem a partir de uma esfera basilar, onde a gênese da reflexão já poderia ser inquirida. Mas se a publicação original já se encontrava com os problemas dos quais o filme poderá ser acusado por alguns grupos, sua nova versão artística estaria apta a remover essas tais implicações. Ao meu ver, no entanto, reside na obra questões que sugerem uma reflexão maior em torno de suas questões morais, e que a cinematografia sozinha poderia apontar lados desnecessários sem precisar recorrer ao olhar que julgue o encaminhar da ação. Dentro do que é a narrativa especificamente, a obra encontra muitos empecilhos para tornar coeso. 

A trama da produção se desenrola a partir de dois tempos diferentes, adolescência e vida adulta de Lily Bloom, que durante a juventude enfrentou alguns traumas que se conectam a relacionamentos. Hoje aos 30, Lily mora longe de onde viveu e precisa voltar a vizinhança para o funeral de seu pai. A partir desse ponto de partida que parece simples, É Assim que Acaba passeia pelos dois recortes para, sem alarde, organizar a desestruturação emocional de uma mulher a partir de uma base traumática. Nada disso está na superfície, no entanto; a Lily que o filme mostra carrega uma plenitude e uma perseverança em tudo que faz. É uma mulher adulta, que tem um passado como todos nós, mas cujo foco é o horizonte, alcançar a felicidade acima de tudo em tudo que se propor. O que incomoda aqui é justamente esse estado anterior de sua protagonista; sua construção atual não é falha, a construção do passado não é falha. Mas existe um miolo que o filme não conta, e que definitivamente faz falta ao material, de modo que possamos entender profundamente uma mulher cujas fraturas não estão à mostra, mas que serão cruciais no artesanato da narrativa.

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Independente de ser uma boa adaptação ou não, a estrutura de É Assim que Acaba não propicia uma boa leitura do que acontece no cerne de sua protagonista, que é a mola propulsora do filme. Existe sim um trabalho acertado na forma como os eventos são apresentados, sempre na linha da dualidade que revela a complexidade do olhar de uma vítima. Não é a primeira vez que um filme amplia seu leque para apresentar diferentes versões de um mesmo ponto de vista. O que muda aqui é que tal escopo é destinado apenas a um personagem, e é o próprio que reencena mentalmente o que ele mesmo viveu. O que arranha tal jogo é a forma como o filme esconde não apenas a verdade por trás das intenções, mas exatamente a espinha dorsal de quem observa esses eventos. Dessa forma, o campo de visão do próprio espectador fica comprometido, e resvala em algo menos incisivo do que precisaria ser, na temática apresentada.

A cada nova camada que o filme apresenta ao espectador, novo significado é percebido pelo mesmo, e as certezas vão sendo reavaliadas pelo caminho. Não é como se o filme escondesse algo do público, mas são uma inclusão de novos eventos que transformam os anteriores em um efeito cascata, para formar um mosaico cada vez mais assustador e inesperado. A ideia era essa mesma, nos colocar na pele da protagonista no exato momento do que ela passa, com os olhos que ela tem sobre cada visão, da aparência e da real – ou do que nossa bagagem permite ver. De alguma forma, É Assim que Acaba, um produto feito para alcançar público muito amplo, acaba por mostrar um campo de análise muito mais profundo, quando mostra sua protagonista envolta em extrema beleza estética para representar uma realidade intocada, que vai sendo corrompida aos poucos, e com isso perdendo cor, brilho e vivacidade.

Longe de ser o filme ideal para o tema que aborda, É Assim que Acaba talvez seja uma porta de entrada para um assunto que hoje é impossível de esconder, mas que já foi motivo de vergonha e culpabilização da vítima. Como toda violência sofrida pela mulher, mesmo a doméstica era atribuída a ela – isso originou um sem número de casamentos baseados em tortura, ameaça e violência que jamais foram desfeitos. Aos mais jovens, o filne reafirma um discurso atual e necessário; aos mais velhos, a necessidade é ainda maior, mas para mostrar o tanto de estrago que poderia ser evitado. Com Blake Lively (em seu melhor papel desde Um Pequeno Favor) se mostrando a um passo de um estrelato merecido, o filme precisa ser observado com uma lente de aumento que mostre seus muitos acertos e muitos erros, mas que seja óbvio que estamos diante de um produto onde existem ambos. 

Um grande momento
Lily rememora os eventos, e a verdade se mostra

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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