- Gênero: Animação
- Direção: Jamie-James Medina
- Roteiro: Willis Earl Beal
- Elenco: Michael Kenneth Williams
- Duração: 14 minutos
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Em 2014, Willis Earl Beal, anunciava que estava saindo da primeira gravadora para começar uma nova fase na música e também estava animado com o lançamento de um de seus contos em podcast. Era “The Brown Dog Chronicles”, interpretado pelo ator Michael K. Williams, falecido prematuramente em 2021. “É o Omar do The Wire lendo a minha história”, diz a descrição do áudio, tocado mais de 2.400 vezes. Dez anos depois, a trilha ganha cores e movimento, e chega às telas em uma animação impressionante dirigida por Jamie-James Medina.
The Brown Dog acompanha o turno de Nobody (pseudônimo de Earl Beal que significa ninguém em português), o vigia noturno de um complexo chique de apartamentos. Durante uma noite, em suas longas e intermináveis horas na função, ele divaga sobre a vida, seu lugar no mundo, a humanidade e as dinâmicas sociais. Seus pensamentos se desenvolvem na cabine da entrada do prédio ou nas rondas pela área. Além dele, apenas intervenções de um programa de rádio e habitantes daquela noite, com os quais não interage, como coisas, inanimadas ou não, reais ou apenas lembranças de um dia terem existido.
Todo mundo sabe que essa realidade é apenas uma cena de ficção. Escrita, dirigida e estrelada por mim. Para um roteiro tão detalhado e orientado, parece haver tão pouca estrutura em seu enredo.
O texto é magnético em sua mistura de poesia e filosofia para tratar de temas como invisibilidade e pertencimento sob o pesado fardo da sociedade de consumo. Ego, escolhas, destino e finitude se misturam na divagação de Nobody com fúria e solidão em elementos que se misturam até o despontar da manhã. A interpretação de Williams destaca cada um desses sentimentos com uma profundidade ímpar, fazendo com que a jornada se torne mais e mais angustiante e arrebatadora.
É uma grande farsa. Minha alma está no centro de um cheeseburger duplo com pimenta jalapeño e tomate. Estamos todos tentando. Estamos todos procurando. Estamos todos querendo não perder o que temos. Estamos todos nos aventurando para obter mais.
A animação, com seu jogo de luzes e cores, entende as tonalidades da noite e da inconstância do pensamento errante, envolvendo da mesma maneira, mesmo que por vezes seja óbvia por mostrar aquilo que já está sendo dito. Porém, se supera ao recriar o algo mais, ao mergulhar nos devaneios de Nobody para além daquilo que poderia estar escrito no bloco de anotações, ao criar o destino de Brown, a possibilidade de contato ou o balé daquele saco plástico em frente à entrada do prédio.
Se Brown nunca questiona seu propósito, então ele nunca contempla o futuro. Ele reside no agora inabalável. O futuro para Brown é mais ou menos inconcebível e o passado é apenas memória, então o agora é tudo o que há.
A “era glacial da alma”, tema do programa de rádio que se escuta na cabine, algo meio bobo e piegas ali no começo do filme, vai fazendo sentido. The Brown Dog chega a muitos lugares que levam à constatação de uma sociedade adoecida, onde o que se busca é o ter, onde locais e destinos estão previamente demarcados, e onde o individualismo e a solidão se fazem marca de humanidade. O que se vê é potente e chega de maneira tão crua e verdadeira que reverbera, permanece.
Um grande momento
A sacola plástica