Crítica | Festival

O Dia que Te Conheci

(O Dia que Te Conheci, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: André Novais Oliveira
  • Roteiro: André Novais Oliveira
  • Elenco: Grace Passô, Renato Novaes, Kelly Crifer, Norberto Oliveira
  • Duração: 70 minutos

Da arte de saber exatamente o que filmar, que enfoque dar ao plano, e como conseguir sempre demonstrar renovação, ainda que esteja falando sobre o que tantas vezes já foi falado. Esse poderia ser um resumo honesto do que a Filmes de Plástico constantemente nos serve, sem conseguir nos fazer acostumar com a excelência constante, mas o quarteto mineiro não merece algo vazio assim, predicados soltos sem análise. O Dia que Te Conheci, o novo longa de André Novais Oliveira, estabelece então um novo parâmetro ao que a produtora já fazia anteriormente, e ao seu realizador uma ideia de sofisticação que não é uma inovação, mas exatamente um avanço. O caminho parece dúbio, demonstrando a um só tempo a serenidade que o talento moldou e a certeza de que uma evolução narrativa e estética é ainda mais evidente. 

O que já estava em curso em Temporada aqui se amplifica, uma ideia de precarização que passa pelo trabalho e chega até a vida em si. Embora exista um olhar para o mundano, o que é visto em O Dia que te Conheci não aparece com frequência em nossa filmografia. Se percorre o cotidiano para que ele seja o início e o fim, e não meio; a preocupação com suas texturas passam por elas para chegar em algum outro lugar, mais direto, e não como apontamento específico. O que Oliveira propõe, desde Ela Volta na Quinta – que já estava em seus curtas, como Fantasmas – é uma apreciação do prosaico enquanto atmosfera, mas que é ressignificada pela inserção de elementos que desnudem essa noção de algo comum, para que o que não está sendo dito ainda assim fale. 

A identificação com uma classe proletária não será decodificada por uma crítica que possa reconhecer seu lugar de privilégios. Quando o cinema, em todos os seus segmentos, passa a ser ocupado por quem está fora das zonas de circulação, as narrativas mudam do local do que sempre representou a normatividade. A base da pirâmide, hoje melhor representada, tem seu tratamento visto na Filmes de Plástico como algo sem glórias, mas com extremo cuidado e dedicação, justamente por ser feito por quem já esteve naquele lugar. A verdade de cada cena acaba por se eternizar justamente porque seu tratamento é muito real, sem limpeza. É o ônibus enguiçado, a corrida para não perdê-lo, a demissão por conta do que a distância acarreta, e a forma inspirada com quem um diálogo sobre a dificuldade em acordar acaba por contornar. O Dia que Te Conheci olha para cada um de seus elementos com conhecimento de causa, emoldurando um lastro que precisa perder para ser ainda mais compreendida. 

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Assim como tais discrepâncias sociais provocam a renovação de um comboio de vozes, o “casal de Temporada” retorna à cena para complementar uma relação simbólica que parece não ter fim. Grace Passô e Renato Novaes já tinham demonstrado química no outro longa, mas aqui especificamente o caldo entre eles engrossa, na longa noite que passarão juntos. É como se Ken Loach se encontrasse com Richard Linklater, ou melhor, é André Novais Oliveira dizendo que não precisa ter referências quando se é ele mesmo um construtor. Renato cada vez mais maduro como ator, e Grace em um registro que o cinema pouco pediu para que ela explorasse, ambos se conectam de maneira irresistível. A lembrança de Pouco Mais de um Mês, um de seus curtas metragens mais reconhecidos, reafirma o compromisso de seu diretor com o afeto. 

É um longo caminho que esses dois personagens percorrerão em O Dia que Te Conheci , para chegar a conclusão de que as coisas batem mesmo à nossa porta. A jornada é ainda mais desastrada de Zeca que a de Luisa, porque seu desfecho demonstra que o protagonista estava disposto a um encerramento de ciclo. Foi preciso percorrer tudo que ele já fez para que o resultado de uma espécie de ‘efeito borboleta’ da singeleza, onde cada passo é uma justificativa para que todas as ações correspondam a sua ética emocional. É como se a falta de educação social fizesse tão pouco sentido porque obedece justamente uma lógica de recompensa; se o rolo compressor da máquina estatal não o transformasse em estatística, ele não descobriria alguém como Luisa. Se essa ironia não é extremamente agridoce, eu não sei mais o que é. 

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Um grande momento

A carona

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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