- Gênero: Drama
- Direção: Yuri Costa
- Roteiro: Yuri Costa
- Elenco: João Pedro Oliveira, Paulo Guidelly, Dandara Lorena
- Duração: 25 minutos
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Definitivamente não é todo dia que nasce um Yuri Costa. Realizador de Egum, em 2020, parecemos estar diante de algum capítulo que ainda será debatido, estudado e compreendido no futuro, com E Seu Corpo é Belo. A impressão é a de que ainda iremos apreender tudo o que o filme nos lega a partir da experiência de assistir. O material é tão imensamente desafiador, que talvez somente uns bons pares de anos, de debates e de reflexões solitárias, sua envergadura se materialize. Para longe dos aspectos técnicos, mas sem esquecê-los, seu teor de representatividade estaria na tradicional colocação do ‘passado que não se dissipou no presente, encontrando paralelos entre os tempos’ – essa colocação é insuficiente de dar conta do tanto que é concebido por seu autor.
Toda a reprodução estética que E Seu Corpo é Belo consegue, também alcança desenvolvimento na narrativa, criando uma texturização que não está apenas na imagem. É uma forma de acessar aquele campo, através de afetos ainda não verbalizados, de um período onde a liberdade era buscada ainda sem uma definição explícita, mas que já encontrava respaldo naquele período de repressão. Porque o amor existia, o desejo estava escancarado em lugares de maior compreensão, mas que ainda carecia de maior normalização dentro dos próprios grupos, cujo temor ainda pautava decisões. Esse acompanhamento, a união entre o que está impresso na imagem e o que está disposto nos corpos, forma o pilar básico da apreciação de um filme que, como já dito, não é de imediata absorção de todas as suas virtudes.
Porque, em olhos menos azeitados, o que vemos é algo até prosaico. Uma história de amor, de reencontro, que se incendeia para algo trágico, de uma crescente de situações. O tratamento de Costa para seu próprio roteiro é que transforma, enfim, o que vemos para algo além do comum, flertando com o fantástico. Dito isso por causa da maneira como suas respostas visuais são alicerçadas pouco a pouco, montando um mosaico que nos retira de um tempo para outro. Como quando Paul Thomas Anderson dirigiu Boogie Nights, o que temos em E Seu Corpo é Belo não é uma referência visual e histórica de um tempo, mas uma apropriação visual rara, onde o emocional não está descolado do que é apresentado em imagens.
A sensação de estar diante de uma provocação com o cinema, de reescrever uma memória e de reconstruir os matizes de um tempo, para além do que a estética é capaz ao atingir também a mensagem, é indescritível. E Seu Corpo é Belo funciona de todas as formas, mas existe essa maneira quase surrealista de mergulhar na consistência de algo tão amplo – são os anos 70, são personagens ‘queer’, é a releitura do corpo periférico protagonista. Da esperada absorção do ‘aspect ratio’ para o clássico 4:3 até o romantismo exacerbado em uma trilha sonora onde o soul é celebrado, o filme promove uma viagem no tempo onde as colocações do hoje não conseguem deixar de espelhar um tempo onde qualquer conquista ainda parecia inatingível.
Isso tudo para ainda abraçar o gráfico do resultado do cinema de gênero colocam em E Seu Corpo é Belo uma classificação incomum, a de um cinema irrepreensível e capaz de um sopro de inventividade formal e pictórica conseguida de maneira rara. A emulação não é o foco, mas a transformação coletiva e emocional para um outro recorte temporal em todas as suas implicações. Existe a descoberta de um cinema com frontalidade irrestrita, pelo incontornável objeto do desejo de seus tipos e pelo abraço a um cinema que não pediu para ser naturalista, com seu vermelho guache exposto. Ainda assim, Carlos e Tony são sintoma de maturidade emocional em uma obra, e que mostra Yuri Costa como uma exceção capaz de fazer em um mesmo filme, tão alegórico quanto palpável. E essa é uma qualidade que seu realizador começou a depurar nesse momento; daqui a alguns provavelmente ninguém o segurará.
Um grande momento
Violência e amor