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Educação

(An Education, GBR, 2009)

Uma coisa interessante no cinema é a capacidade dos filmes de serem extremamente individuais. Quando escreveu o roteiro, o roteirista estava pensando em uma realidade X, o diretor, com sua experiência, leu e criou Y e o espectador assistiu Z.

A bagagem de vida de cada um faz um filme ser completamente específico e causar sentimentos muito personalizados. O que eu vejo é diferente do que você vê, que também é diferente do que o seu irmão ou conhecido vê.

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Educação é um excelente exemplo da minha teoria, pelo menos pra mim. Aos quinze anos me apaixonei perdidamente por um homem 12 anos mais velho e larguei tudo para ficar com ele e tivemos uma filha quase três anos depois.

Esta filha, a Dani, hoje com 18 anos, acabou de entrar na faculdade de Direito e está decidida a só se casar e construir uma família depois que sua vida acadêmica e profissional esteja bem estruturada.

Conhecendo essas duas realidades, é impossível passar pelo filme de Lone Scherfig sem ficar completamente mexida, sem sentir milhares de coisas e lembrar situações e momentos.

Na tela, Jenny é ainda uma menina, com todos os normais desejos da idade de ser alguém especial e diferente. Ela ainda não terminou o colegial e está na expectativa de entrar na Universidade de Oxford. Esperando o ônibus na chuva, depois do ensaio de violoncelo, que pratica mais pelos pais do que por ela mesma, ela conhece David, um homem mais velho cheio de histórias para contar e com uma vida excitante.

Os dois começam a se relacionar e ele apresenta a ela um mundo bem diferente. Ela escuta boa música, vai a conhecidos restaurantes e viaja a lugares que sonhava em conhecer. Claro que tudo é muito mais atraente do que a sua rotina de aulas, ensaios e estudos e muda suas perspectivas e desejos de futuro.

Aquele fascínio da jovem foi me deixando desconfortável, incomodada. As personagens me irritavam de uma maneira que há muito tempo não acontecia no cinema. Talvez se não tivesse que falar sobre o filme, teria me levantado e saído da sala, mas fiz bem em ficar até o final.

Tecnicamente, o filme é muito bem estruturado. Ainda que básica, a boa fotografia de John de Borman casa perfeitamente com o trabalho de arte de Andrew McAlpine (desenho de produção), Ben Smith (direção de arte), Anna Lynch-Robinson (cenografia) e Odile Dicks Mireaux (figurino) e consegue transportar os espectadores para os anos 60.

A atuação da jovem Carey Mulligan tem recebido elogios de todas as partes e chama mesmo a atenção. Sem exageros, ela consegue transitar entre o deslumbramento e a desconfiança, entre a ingenuidade e a auto-suficiência. A alegria e a tristeza de sua Jenny não precisam de grandes gestos para serem percebidas, basta um olhar.

O elenco de apoio também está muito bem, com destaque para Alfred Molina como o pai de Jenny, o autoritário e influenciável Jack, e Emma Thompson, como a diretora da escola. Ainda que menos brilhantes, as participações de Olívia Williams, Peter Sarsgaard e Dominic Cooper estão dentro do esperado.

Talvez o maior pecado do filme venha do fato de ser uma adaptação literária e, como tal, se sentir na obrigação de explorar situações que não sejam tão relevantes ou não ir a fundo em outras talvez mais interessantes, mas nada que comprometa muito o resultado final.

Um filme interessante sobre os acontecimentos da vida e sobre aquela fase em que nos achamos bem preparados e imunes a todos os problemas do mundo. Em que ouvir deixa de ser uma opção e passa a ser uma tarefa irrelevante, em que o mundo parece pequeno e inofensivo demais para toda a nossa “imensa” sabedoria.

Mas, com disse no começo do texto, claro que isso foi o filme para mim e para minha história de vida. Se fosse outra, talvez nada disso fizesse tanto sentido e o título seria mais um dos muitos que se vê sem grande comoção.

Um Grande Momento

Esperando Jack entrar.

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Drama
Direção: Lone Scherfig
Elenco: Carey Mulligan, Peter Sarsgaard, Alfred Molina, Cara Seymour, Matthew Beard, Dominic Cooper, Rosamund Pike, Emma Thompson
Roteiro: Lynn Barber, Nick Hornby
Duração:95 min.
Minha nota: 7/10

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
5 Comentários
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Claudio Azevedo
Claudio Azevedo
06/03/2010 14:26

Um filme mediano, muito super estimado. Atuações corretas, e uma história bem contada e amarrada, como dezenas de outros filmes que vi este ano. Porém, facilmente esquecível.

Wally
Wally
06/03/2010 01:46

Interessantíssimo seu primeiro parágrafo. Concordo totalmente. O filme, porém, ainda não assisti.

Vinícius P.
Vinícius P.
05/03/2010 23:38

Um daqueles filmes "menores" que acabam surpreendendo totalmente. O destaque é o elenco, em especial a Mulligan.

Amanda Aouad
Amanda Aouad
05/03/2010 15:10

Perfeito, ninguém assiste um filme sem acessar sua bagagem de referências. Por isso, as vezes vemos discrepâncias de comentários. Eduação não bateu em mim como uma referência e achei simplesmente um filme correto. Nada demais, nada de menos. E Carey Mulligan está mesmo, muito bem.

Marcio Melo
Marcio Melo
04/03/2010 20:18

Quero muito ver esse filme, já tinha visto o trailer tem um tempo e depois desse "buzz" com Oscar e tudo mais a curiosidade aumenta!

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