(Enola Holmes, GBR, 123)
Baseado no primeiro volume de uma série literária que rendeu cinco outros escritos por Nancy Springer, Enola Holmes é uma produção originalmente da Warner Bros. que, por conta da pandemia da Covid-19 foi adquirida pela cada vez mais gigantesca Netflix, e que provavelmente pretende se tornar uma nova cinessérie, na linha de outras de sucesso infanto-juvenil cinematográfico (mais precisamente Harry Potter), e visando atrair esse público cativo e garantido, o filme ganha as telas em momento delicado para se tornar o fenômeno que J. K. Rowlings sonhou há 20 anos, porém hoje fenômenos não necessariamente precisem de imensos números de bilheteria.
E a verdade é que essa adaptação cumpre todos os requisitos, de adesão e de qualidade, para se tornar um hit do canal de streaming daqueles com acessos inatingíveis. Produção muito honesta, competente demais, feita para agradar gregos e troianos e que consegue essa façanha, ao contrário da maioria das tentativas onde vários alvos são pretendidos, há capricho claro no emprego dos valores gastos e o filme tem aquela rara sedução que um blockbuster nos dias de hoje consegue atingir, que não se resumem a efeitos especiais espetaculares e imensos recursos computadorizados; ainda que eles estejam lá, a discrição é a palavra de ordem, o que torna o material muito palpável.
![Enola Holmes](https://cenasdecinema.com/wp-content/uploads/2020/09/Enola-holmes_interno1.jpg)
Essas características de “produto à moda antiga” não só caem bem e atraem público em busca de divertimento genuíno ao projeto, como remetem a um tipo de cinema que obviamente não é mais produzido, empobrecendo a cena blockbuster hoje, que vive à mercê de projetos carinhosos e manufaturados como esse para manter não apenas o caixa funcionando, mas principalmente agregando qualidade a um segmento cada vez mais estéril e desgastado. Curioso notar que o cinema hoje precise de um projeto tão inocente e “antiquado” quanto esse pra se mostrar vibrante e relevante; melancólico que um filme que poderia ter sacudido a indústria chegue de maneira diferente do planejado ao seu público.
O responsável por Enola Holmes não demora a deixar clara sua marca. A irmã mais nova de um certo detetive inglês Sherlock se comunica diretamente com a plateia, ora conversando com a mesma, ora apenas fazendo interjeições com o rosto, tal qual uma certa jovem inglesa de nome Fleabag e protagonista de série homônima; sim, Harry Bradbeer, diretor de 11 dos 12 episódios da espetacular e premiadíssima Fleabag é o homem por trás da produção, o que garante a esperteza e a rapidez ideais para o filme, mas que talvez use demais esse elemento que Phoebe Waller-Bridge cunhou tão bem, ainda que o charme seja mantido.
![Enola Holmes](https://cenasdecinema.com/wp-content/uploads/2020/09/Enola-holmes_interno2.jpg)
E por mais que seu elenco talentoso e eficiente esteja em plena forma (Helena Bonham-Carter, Henry Cavill, Frances De La Tour e Sam Claflin, esse último especialmente muito bem), o filme se torna o que é graças ao imenso talento e carisma de Millie Bobby Brown, em seu primeiro grande desafio pós Eleven (Stranger Things). Já atuando aqui como uma das produtoras, Millie é uma estrela sem dúvida, e sua facilidade pra criar uma personagem tão adorável, poderosa, cheia de atitude porém decorosa ao seu tempo, repleta de nuances e sensibilidade transforma o ato de assistir ao filme um prazer completo, e o roteiro de Jack Thorne (Extraordinário) lhe devolve em grandes cenas, que ela executa à perfeição.
A cereja do bolo de Enola Holmes é algo muito particular ao crítico que vos fala, a transposição de uma obra literária para as telas. Mesmo sem acessar as obras originais, um filme adaptado de um livro grande parte das vezes deixa em sua narrativa a clareza dos saltos narrativos que apontam os blocos de acontecimentos que foram suprimidos para caber toda a ação direta possível no resultado final. Pois o trabalho aqui anula a existência desses saltos, criando uma obra muito fluida de diversão orgânica. Um passatempo ligeiro sim, mas um trabalho de raro cuidado para o grande público, que inclui dedicação e a certeza do lado de cá de conferir as continuações apenas se conduzidas pela exata mesma equipe, sem tirar nem pôr ninguém.
Um grande momento
“Que mulher você se tornou!”
Fotos: Alex Bailey e Robert Vigloski/Legendary