Crítica | Festival

Matar a un muerto

(Matar a un muerto, PAR, 2019)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Hugo Giménez
  • Roteiro: Hugo Giménez
  • Elenco: Ever Enciso, Aníbal Ortiz, Silvio Rodas, Jorge Román
  • Duração: 87 minutos
  • Nota:

Uma jornada sobre o que, no fundo, é um processo de aceitação de suas atividades, sejam ela de quais teores forem, Matar a un muerto é um filme com pano de fundo político que exala muito mais política que assinaturas rasgadas por tal carimbo. Interiorizado e proativo ao mesmo tempo, o longa de Hugo Gimenez é uma bela surpresa da competição latina de Gramado 2020, por se tratar de um filme que parece equilibrar tudo que a maior parte dos longas anteriores não atendeu, tendo seu quinhão de sobriedade, de intensidade, de comentário político-social, de impacto visual… com a exibição dele, temos a certeza que a competição paralela do festival está mais positivamente equilibrada.

Apesar do espaço e da quantidade de personagens exígua, o clima que é estabelecido é mais de atenção que exatamente de tensão, embora tenha uma dose comedida de suspense no ar. Embora não seja necessariamente esse o interesse do diretor, ele não deixa de acenar para esse cenário de insegurança típica do cinema de gênero, seja no clímax ou em determinadas passagens, garantindo a conexão com o espectador menos afeito a ‘esquisitices de festival; aqui temos em cena um único conflito que consegue ser desenvolvido por toda a trama sem cansar ou cair na repetição, e isso sem arranhar as reais forças do longa de estreia paraguaio.

Matar a un muerto

Ambientado em 1978, ano do primeiro campeonato da Argentina numa Copa do Mundo, o filme se instala durante o regime militar do Paraguai para registrar uma atividade exercida por dois homens ligados aos militares: vivendo próximo a uma costa, essa dupla enterra corpos que são lançados ao mar pelo regime e acabam por atracar ali. Em meio a uma floresta local, essas solitárias figuras exercem sua função com afinco – arrastar, cavar, enterrar, caiar, continuamente sem perguntas ou dúvidas. É sua função, eles a exercem e voltam pra cabana onde vivem para mais um dia, até o momento em que chegue até eles um corpo ainda respirando, e eles precisam fazer o que não estava em seus planos.

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Matar a un Muerto começa exclusivamente como um filme de labuta sem questionamentos; realizar uma função da melhor forma possível, ser treinado para ela, ocupar um espaço de realização pessoal. Você é bom em alguma coisa, agora cumpra seu papel nessa cadeia de eventos. Sem muito em comum, esses dois personagens (um veterano e seu capataz, que precisa obedecer a uma certa hierarquia deslocada espacialmente) interagem basicamente sobre trabalho e futebol, sem mover opiniões sobre o estado das coisas em seu tempo presente. A chegada desse ‘corpo que se transforma em refém’ altera o jogo estabelecido entre esses homens, e com isso refletir sobre a natureza de eventos que acontecem longe deles e sem a sua participação direta.

Matar a un muerto

Embora pouca coisa efetiva aconteça comparada a sua duração (85 minutos), é nesse balé do lavoro que o filme se baseia, mesmo quando algo sai dos trilhos. Observamos então uma nova forma de interação se formando a partir dessa chegada, que eventualmente se encaixará de alguma forma nessa aplicação trabalhista, exercendo uma “função” a qual anteriormente não havia responsável. É feito então o comentário mudo e implícito àquela forma de violência perpetrada entre esses homens de longe, quando até as vítimas acabam sendo absorvidas pelo sistema que as violou.

Com pretensões modestas e um trio de atores muito competente em seus desempenhos braçais que abdicam da reflexão para continuar vivos, Gimenez entretém e comenta uma época cruel de maneira sutil e econômica, situando suas ações longe do foco dos acontecimentos, mas que acabam por comentar mais sobre momento se fosse mais próximo e/ou explícito; Matar a un Muerto sem panfletos promove um real pensamento a respeito dos ecos da violência, e como tentar reverter um quadro irreversível.

Um grande momento
Rostos iluminados pelo fogo

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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