Crítica | Outras metragens

O Barco e o Rio

(O Barco e o Rio, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Bernardo Ale Abinader
  • Roteiro: Bernardo Ale Abinader
  • Elenco: Isabela Catão, Carolinne Nunes, Márcia Vinagre
  • Duração: 17 minutos

“O rio não quer chegar, mas ficar largo e profundo…”

Guimarães Rosa

O rio segue, prossegue. É livre e continua sempre em frente, descobrindo o seu caminho. O barco espera, obedece. É carregado, faz o caminho que o rio deixa, e só até onde pode chegar. Enquanto um é liberdade, o outro é restrição. Um corre solto e o outro segue aprisionado. Independência e a dependência.

Com a irretocável fotografia de Valentina Ricardo, o curta-metragem O Barco e o Rio personifica a contradição em uma família. No espaço restrito, as irmãs Vera e Josi são como os dois opostos. Enquanto esta quer tornar-se rio, vivendo a vida, aquela prefere continuar barco, esperando a vida passar.

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O Barco e o Rio

O modo como o diretor e roteirista Bernardo Ale Abinader molda sua história é caprichoso e paciente. Contando com a força de suas duas atrizes, Isabela Catão e Carolinne Nunes, transforma a pequena morada flutuante em um universo. São muitas coisas condensadas, em tempo e espaço, algo que reforça diferenças e amplia interpretações.

Seguindo a lógica estabelecida, Josi só aparece quando quer e o curta dedica mais tempo para observar Vera. Cenas pontuais são bem elaboradas, como quando a irmã barco olha a festa ao longe e, à medida em que se recolhe, contida pelas amarras que escolheu, o som vai sendo tomado pelo culto no rádio. 

O Barco e o Rio

Há ainda uma interação interessante das personagens com espaços e elementos cênicos. A irmã rio vai para perto da luz, do horizonte para descascar as batatas, enquanto a outra espreme-se na minúscula cozinha. Uma preocupa-se em limpar o espelho, enquanto a outra vê nele o fim de uma etapa, talvez o começo de uma nova vida inesperada.

A metáfora é potente e poética. Traduz o rio na vontade de viver outras histórias, de movimentar-se, deixar o lugar, e o barco, nas restrições de quem escolheu viver aprisionada pelo recato e a religião. A ruptura é esperada e acontece, uma se vai e a outra fica, assim como o afeto, mesmo que não explícito. Quando ancorada em terra firme, Vera caminha em direção à beira do cais. Com os cabelos soltos, sente o rio, e mata a saudade da irmã.

[48º Festival de Gramado]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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