Crítica | Festival

Enzo

Fora do lugar

(Enzo, ITA, BEL, FRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Robin Campillo
  • Roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo, Gilles Marchand
  • Elenco: Eloy Pohu, Maksym Slivinskyi, Pierfrancesco Favino, Élodie Bouchez, Nathan Japy, Vladyslav Holyk, Malou Khebizi, Philippe Petit
  • Duração: 102 minutos

Antes de falar de Enzo, há um aspecto que não pode ser ignorado. Antes de sua morte, em 2024, Laurent Cantet trinha o projeto de filmar a tensão da juventude, com o desajuste, o fardo das expectativas e a vida que se molda pela pressão social. O filme representa esse desejo e se materializa com uma passagem de bastão, com Cantet concebendo o roteiro e Robin Campillo o completando e realizando. O resultado é ao mesmo tempo homenagem e autonomia.

Enzo, 16 anos, é filho de pais da classe média alta e mora na Côte d’Azur. Contrariando as expectativas da família, ele decide abandonar a trajetória previsível de estudo para tornar-se aprendiz de pedreiro. A trama acompanha sua jornada nessa ruptura com o padrão estabelecido, da piscina para o canteiro de obras e para aumentar a contradição, ele conhece Vlad, operário ucraniano, em um encontro que muda sua escala de valores e suas certezas.

Campillo constrói o filme com gestos e tensão contidos. Os planos longos, os enquadramentos fixos sobre o suor ou a obra inacabada, assim como o silêncio reforçam que Enzo não é apenas um filme sobre escolha, é sobre o que a escolha revela de um sistema que já decidiu pelos outros. Não que a câmera manipule o ressentimento, mas ela o sedimenta e mantém a dúvida. Se a estrutura segue intocada, de que serve a rebeldia? 

A atuação do jovem Eloy Pohu surpreende por sua naturalidade, com poucas falas e muitos gestos incertos. Ele encarna o privilégio entediado que se recusa a se reconhecer no luxo e, em seu corpo, traz a ambivalência do desejo e da culpa. Já Maksym Slivinskyi adiciona à tela a densidade de quem compreende as dificuldades das escolhas de Enzo. A atração que se forma entre eles escapa à palavra “romance” e se aproxima de uma linguagem mútua de solidão e procura. Vendo esse encontro, o filme deixa claro que o desejo, ainda que mudo, traz uma espécie de subversão.

Mas Enzo caminha em duas frentes e nem sempre atinge ambas com a mesma precisão. Por um lado, há a trama social, do jovem burguês na obra, do choque de classe, do operário imigrante e da política da mão de obra. Por outro, está a dimensão íntima, do desejo, da falta de lugar, do corpo que busca destino. Em alguns momentos o equilíbrio vacila, com o cenário se impondo ao indivíduo. É quando o diálogo se torna explicativo e a imagem menos relevante.

Ainda assim, o valor de Enzo está nas questões que ele levanta, pois está longe de ser um filme que soluciona. Não sabemos qual será o caminho que o protagonista tomará, se ele romperá, se seguirá ou se outra coisa completamente diferente acontecerá com sua vida. O que se entende é que, agora, a hesitação é o seu lugar.

Um grande momento
“Depois o quê?”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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