Crítica | Outras metragens

Esconde Esconde

Corpos e ideias

(Esconde Esconde , BRA , 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Vitória Vasconcellos
  • Roteiro: Vitória Vasconcellos
  • Elenco: Vitória Vasconcellos, Glória Maciel, Luciana Lyra, Ronna Salgado, Marcela de Barros
  • Duração: 10 minutos

Vitória Vasconcellos é um nome para o futuro, definitivamente. Aos 27 anos de idade e em seu quinto trabalho de direção, alguma forma nasce pelo menos em relação ao seu último filme, Esconde Esconde, estreia da Mostra Tiradentes e na mostra do Cine PE em sua versão pernambucana. Ela já tinha passado pelo festival há três anos, com o instigante Solum, e agora retorna com uma produção que em algum modo lida com as controvérsias estéticas que banca; não há como sequer negar sua coragem, e referências múltiplas. A partir de determinado momento, o que está em jogo margeia a narrativa, mas só se completa quando as coisas se amalgamam, em conteúdo e forma. 

Seu olhar é incisivo na observação acerca da misoginia e do outros ângulos do machismo, quanto mais agudos forem. Mas isso também é um espelho do que está sendo apresentado no painel que Vasconcellos promove; não é um campo estanque de análise, porque sua autora não subestima o olhar de seus possíveis interlocutores. Todas as possibilidades a interessam, e talvez isso nos jogue no caleidoscópio febril que ela organiza. São imagens difusas, que unem geografia e humano, para escalar as tensões diárias que o corpo feminino precisa esgueirar para a sobrevivência. Febril, inclusive, é a palavra que acertadamente definiria a experiência proposta de Esconde Esconde

Vasconcellos é não apenas um dos muitos vislumbres do futuro no cinema brasileiro, como será um futuro com poucas concessões, pelo que apresenta até agora. Sua ideia de filmografia pode até embarcar para outra seara a partir de determinado momento, mas o que foi apresentado até agora é uma representação que dialoga com a experimentação sem aludir a outros cinemas, ainda que sua autora referencie outros nomes. Seu suporte de narrativa estuda códigos que são encontrados mais comumente num cinema polonês ou húngaro de pelo menos quatro décadas atrás, coisas como o Kieslowski de Sorte Cega. São cinemas onde a forma e o conteúdo passeiam juntos, um influenciando o outro. 

Não é como se a tessitura do feminino encampasse apenas o drama esperado, mas como se ele fizesse ruir as estruturas da linguagem, de tão pouco confortável que é sua condição, diante dos percalços que a sociedade impõe. Nada disso é pauta a priori, e sim uma maneira de colocar no poderio do plano o peso dos enfrentamentos tradicionais, como o abuso de poder e os desafios lançados junto ao corpo, prestes a colidir. Aos poucos, no entanto, a câmera de Esconde Esconde se acostuma com o que é o desastre sistêmico: tremer, vibrar, cair. Tal qual o corpo vilipendiado, o choque da imagem permanece na cabeça do telespectador por muito mais tempo do que o compreendido. São os reflexos do expurgo de um mal ancestral, aquele que oprime e impede a compreensão de se fazer presente. 

O trabalho de Vasconcellos, enquanto realizador, transforma Esconde Esconde em manancial de potência estética, sem qualquer tipo de apelação para a beleza. Em seu lugar, cria-se um estado de admiração automático, daqueles que reconhecem o esforço de criar uma voz dissonante. Jovem demais, a autora já sabe exatamente onde quer posicionar suas imagens, e que tipo de perturbação causar com o teor de sua forma, e de sua mensagem. É um cinema que existe pelo chacoalhão, em um tempo em que grande parte é feito de emoções e percepções esperadas, e aqui nada o é. A rapidez da duração molda tanto a urgência quanto o espanto, para com essa cineasta que percebemos o quão maior ainda poderá ser. 

Um grande momento
A câmera cai 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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