Crítica | Festival

A Migração Silenciosa

(Stille Liv, DIN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Malene Choi
  • Roteiro: Malene Choi, Marianne Lentz, Sissel Dalsgaard Thomsen
  • Elenco: Cornelius Won Riedel-Clausen, Bjarne Henriksen, Bodil Jørgensen, Camilla Bendix, Ole Boisen, Joen Højerslev
  • Duração: 100 minutos

Carl vive com os pais em uma fazenda na Dinamarca em um daqueles momentos de entre começos: precisa decidir um futuro em meio à idade e ao melhor amigo, que já está de partida. Ninguém está lhe cobrando uma decisão mais que ele mesmo, e a natureza que o rodeia. Tudo parece ruir se Carl não tomar os rumos das próprias escolhas em mãos, tendo em vista que sempre foi levado pelas escolhas alheias. A Migração Silenciosa se mostra ainda mais explícito ao corporificar em Carl um jovem de origem sul-coreana, adotado por um casal longe da juventude. O excesso de exposição gráfica é o que tira ainda mais força de um filme que não consegue não tornar extremamente expositivo qualquer ideia que se pretendesse poética. 

Malene Choi está em seu segundo longa metragem, esse aqui estreou no Festival de Berlim desse ano, e tenta compensar seus excessos de exposição com decisões alegóricas. Também elas vêm em profusão descomunal, e soam sempre como exacerbações de uma linguagem esperta trazida para elevar um material mais simples do que gostaria de aparentar. A Migração Silenciosa carrega em si códigos muito conhecidos para tratar essa inadequação etária e geográfica, que repete sensações mesmo tentando um lugar novo para contar a história de seu protagonista. Não há problema em categorizar essas tais sensações como comuns a qualquer ser humano, mas ao normatizar os dilemas de Carl, o filme deixa claro seu lugar comum. 

Choi está falando de sua própria história nessa figura simbólica, mas que carrega questões muito inerentes à sociedade. Olhar para quem veio antes de si e não identificar nada em particular nada mais é do que um clichê, que precisa ser organizado para soar menos óbvio do que já é. A saída da diretora e de seus companheiros roteiristas foi empregar algum realismo fantástico à obra, nunca a ponto de criar em A Migração Silenciosa uma identidade ou marca. Justamente por ser tão pontual, e por suas indicações sejam também elas lugares comuns de indicações, o filme parece rodar em círculos para contar uma narrativa muito direta. O resultado é o espectador acompanhar o personagem no mesmo ritmo lento que seu protagonista. 

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Tem uma outra questão que parece abandonada pela produção. Carl é o protagonista, isso é sabido, mas seus pais têm papel fundamental no roteiro, o que torna sua mãe em particular diminuída em sua função. A personagem flana pela narrativa tendo maior ou menor destaque ao sabor dos acontecimentos, mas isso não é o pior. O grande incômodo é que a situação é de fato preponderante para os personagens, e é escondida até a última curva, mesmo que já tenhamos ideia do que se trata. O filme diminui o estado da personagem, a despeito do trabalho de Bodil Jørgensen, em bela composição; seu desenvolvimento é periférico, e quando enfim o olhar avança, apenas fica a impressão de que tudo está pela metade. 

Existe ainda uma mistura muito grande de elementos em A Migração Silenciosa, a ponto de fazer cada vez menos sentido conforme avança. É um sul-coreano na Dinamarca, um portal mágico que se abre entre países, uma fazenda com uma vaca moribunda, fantasmas imaginários, xenofobia desregulada… as coisas às vezes conversam, e às vezes são só aleatórias mesmo. E o ritmo do filme não é dos mais azeitados também, chegando a não dizer muito bem a que veio essa edição tão cheia de ideias a granel. No fim das contas, parece uma receita que não deu muito certo, e foram acrescentando ingredientes para tentar consertar, mas todos sabemos que essa é a atitude mais errada. No fim, a ideia boa não desapareceu, apenas ficou encoberta pelos excessos que se juravam mínimos. Não eram. 

No fim das contas, a independência de A Migração Silenciosa parecia estar a um passo da realização. Só que o filme precisava ter uma história pra contar, e o personagem dizer aos pais exatamente o que estava na cara desde o início transformava a produção em um curta. Talvez fosse o melhor a ser feito, talvez a substância surtisse maior e melhor efeito. 

Um grande momento
Indo à Coreia do Sul

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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