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O Rei Macaco

Arrogância para menores

(The Monkey King, EUA, CHI, HOK, 2023)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Anthony Stacchi
  • Roteiro: Steve Bencich, Ron J. Friedman, Rita Hsiao
  • Duração: 85 minutos

Nem sempre (ou quase nunca) a soberba e prepotência dos super-heróis é tratada nessa seara interminável de longas sobre o assunto que acompanhamos nos últimos 20 anos. Essas são características apontadas em vilões, geralmente, e esquecem que o poder é uma arma de corrupção muito forte, muito mais determinante de desvios de conduta do que poderíamos imaginar. Não á toa, M. Night Shyamalan compreendeu tão fortemente isso em Corpo Fechado, e apesar do sucesso, essa estrutura não foi compartilhada com nenhum outro projeto dos incontáveis que vimos, mesmo que isso fosse um diferencial que as produtoras não se interessaram em investir. O Rei Macaco, animação que estreou com sucesso na Netflix, trata disso em sua origem, e é essa ideia que torna o filme também especial dentro do seu nicho. 

Um protagonista que não soube dosar o que não recebeu em vida, e passou a trapacear para chegar onde quer. Lido assim, o Macaco aqui mais parece compreender as obras de Shyamalan do que qualquer outro título foi capaz; a dualidade e a proximidade entre ser um herói e um vilão é separada, muitas vezes, por caráter. Em O Rei Macaco, o que seguimos é esse despertar de uma criatura para um mundo de aceitação que ele nunca teve, quando enfim decidiu que iria tomá-la. É uma premissa muito corajosa para apresentar ao público infanto-juvenil, justamente por ser tão dúbia para seres que estão em formação. Dessa ousadia, chega um filme que não tem medo de ir até o limite para apresentar alguém que é, no máximo, um anti-herói, e essa definição é motivada por quem ele mesmo escolhe se tornar. 

Produzido pelo mesmo Stephen Chow de Kung-Fusão (e a homenagem a esse filme na parte inicial aqui, com inclusive versões animadas de personagens do sucesso de 2004), O Rei Macaco é baseado em obra de mais de 400 anos atrás, que foi reimaginada em 1942 por Arthur Walley. O que vemos aqui é uma versão ainda mais acessível de algo tão milenar da cultura asiática, e que se comunica de alguma forma com narrativas não trabalhadas da atualidade. Nisso reside a coragem desse novo filme, sobre o qual discordo quanto a ausência de risco que algumas críticas apregoaram; na minha opinião, um olhar adulto sobre valores que deveriam ser outorgados na infância, e uma tentativa de humanizar tipos que são considerados deuses – e aqui verdadeiramente são – é sim um avanço corajoso nessa direção. 

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Dirigido por Anthony Stacchi (de Os Boxtrolls), existe um problema mais evidente no filme, de difícil resolução. Macaco é um protagonista absolutamente ególatra, muitas vezes sua arrogância ultrapassa alguns limites do aceitável, e isso provoca uma fácil irritação do espectador com ele, que pode simplesmente desistir de sua narrativa. Sim, é algo muito forte que o protagonista de O Rei Macaco, uma animação, seja um personagem que force tanto para se tornar cada vez mais desagradável, mesquinho, onde custamos a observar qualquer predicado mais abonador. Paralelo a ele, a co-protagonista Lin tenta fazer essa ponte de amabilidade, mas sua personalidade também não é das mais afáveis; vencendo essa pesada resistência, vejo o filme como um acerto. 

Depois de um início que remete demais ao O Lendário Cão Guerreiro, o filme acaba mostrando que têm personalidade de sobra, muito mais até do que deveria. É isso que pode motivar o afastamento de parte do público, que pode sintomatizar as personalidades de seus personagens centrais, e afastar-se. É de verdade que suas qualidades estão em cena, incluindo uma animação muito bem cuidada, que consegue pescar tanto de ensinamentos orientais, quanto da tradição cristã acerca de Céu e Inferno. O Rei Macaco nutre tanta humanidade em seus protagonistas que pode pagar o preço de sua extrema sinceridade, que mostra o tanto de egoístas podemos ser todos nós, estejamos sendo alçados à fama ou continuarmos eternamente “mortais”. 

Um grande momento

A revelação de Lin

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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