Crítica | CinemaDestaque

Fausto Fawcett na Cabeça

O anti-efêmero

(Fausto Fawcett Na Cabeça , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Victor Lopes
  • Roteiro: Victor Lopes
  • Duração: 100 minutos

Em suas novas obras, Susanna Lira e Victor Lopes dialogam muito, por compreender que suas obras deveriam comunicar-se com os objetos sob o qual se debruçam, e não com a própria filmografia. Dessa maneira, tanto Fernanda Young: Foge-me ao Controle quanto Fausto Fawcett na Cabeça são inteligentes a ponto de mergulhar na direção do biografado e não mais voltar. A arte de submergir junto com a obra, para somente quando intoxicada pela mesma voltar à superfície, não é simples de compreender a necessidade, nem tanto a de saber exatamente o que extrair de seres humanos tão visionários. No caso de Lopes, o encontro com o artista multimídia, cantor, compositor, escritor, poeta, pensador (e poderia continuar acrescentando à biografia) seria o suficiente para promover ruptura, mas ele não se contenta com o que seu personagem tem a oferecer. 

Lopes usa e abusa de um trabalho de montagem transgressor que não limita Fawcett, pelo contrário. O trabalho de montagem a cargo dele mesmo e também Yan Motta e Amanda Banhatto se comunica com a essência de um artista que sempre prezou pela transgressão, mas que nunca soou gratuito. Fawcett era um cara que abriu uma porta para que vozes de outras naturezas pudessem soar não apenas ruidosas, mas entrar no mainstream e sair de lá ainda mais provocativas. A chamada vanguarda paulistana fez isso por muitos anos, mas Fawcett, com sua fixação por Copacabana e pelo amálgama entre a periferia e a classe média, fez brotar nas rádios algo desconcertante raramente visto, e Fausto Fawcett na Cabeça consegue nos capturar para o cerne de suas obsessões. 

O filme acompanha seu protagonista de muitas formas. Explorando junto com ele seu bairro-fetiche, e também o lugar onde mora, e também o lugar que é sua marca registrada; assistindo suas apresentações musicais concebidas para o filme, onde todo tipo de experimentação é possível (preste atenção especialmente em “Facada Leite-Moça”); sendo apresentado ao seu próximo de criação – e sim, é caótico; acompanhando sua interação com outros parceiros e fontes de inspiração. O que Fausto Fawcett na Cabeça faz pouco, é adentrar em sua intimidade, tanto emocional quanto pessoal, e é justamente por isso que, no mínimo que faz, o filme cresce tanto. E também são esses os raros momentos onde a câmera e a montagem cessam para ouvir sua voz mais introspectiva, quase tímida, quem diria. 

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São fugazes e até repentinos as oportunidades de adentrar esse lado que o filme demora a desconstruir, mas quando o faz Fausto Fawcett na Cabeça mostra que muitas ideias ainda poderiam estar consideradas na obra, mas se mantém nas sombras gerando um mistério saudável em relação a seu inspirador. Ao mesmo tempo, percebemos que as peças desse quebra-cabeça defeituoso poderiam trazer ainda mais recheio para o homem que vemos. Que, o filme nos lembra, não é um ofertório de polêmicas e escritas tão palpáveis que nos remete diretamente ao que está dizendo, e sim alguém com bagagem cultural, social e também pessoal. As perguntas não-feitas sobrevoam a cabeça do espectador, porque ao se abrir, Fawcett mostra uma humanidade que ele não expõe, do qual o filme se apropria com cuidado e suavidade. 

Ao longo de sua duração, Fausto Fawcett na Cabeça mostra onde pecam as obras documentais tradicionais, que não permitem o ingresso do espectador na atmosfera que um artista criou para si. Se ele não tem uma linha que o diferencie dos demais, talvez ele não precise ser biografado; o que Lopes nos oferece aqui é uma possibilidade de enxergar alguém com uma lupa, com uma vontade feroz de aproximação. Para isso, traduzir em imagens o que um artista se propõe enquanto pensador e provocador é um trabalho que nem sempre é pouco extenuante, mas que é recompensador enquanto cinema. Existe sim uma ideia de que ouvir o que tem para ser dito é essencial e muitas vezes o bastante para desnudar um personagem. Pode ser, quando toda a obra audiovisual é inundada pelo sabor que tal indivíduo produz, é aí que grande parte das obras deixam a desejar, e que temos aqui o oposto. Um homem de excessos assumidos, gera uma produção excessiva e efêmera, a um só tempo. 

Um grande momento
À janela

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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