Estreou nos cinemas brasileiros, neste final de semana, a versão em 3D do filme Star Wars – Episódio 1: A Ameaça Fantasma e, a cada nova estreia da franquia, fica mais difícil não citar um discurso do criador daquele universo, o diretor e produtor George Lucas.
Estávamos ainda nos anos 80 e o magnata da mídia americana Ted Turner acabara de adquirir os direitos de vários clássicos do cinema. Sua ambição era colorizar as produções em preto e branco e relançá-las no cinema.
A revolta em Hollywood foi grande e muitos artistas, entre eles Woody Allen, John Huston e James Stewart, manifestaram seu descontentamento. Assim como Steven Spielberg, que também fazia parte da cruzada anti-modificações. “Vamos deixar que as gerações ainda não nascidas vejam os filmes produzidos pelos artistas como eles foram lançados”, disse à época, antes de trocar as armas de E.T. por lanternas.
Mas foi George Lucas quem levou o protesto mais a sério. Foi ele quem discursou no congresso americano pedindo que leis fossem criadas contra a alteração dos filmes.
Pois é. Aquele mesmo diretor que resolveu incluir na franquia citada anteriormente um monte de animais e objetos em CGI, reeditou diálogos, inventou tiros e cortou cenas já foi um ativista contra modificações. Hoje ele está mais preocupado em ganhar um monte de dinheiro.
Confira abaixo o discurso do sr. George Lucas:
“Meu nome é George Lucas. Sou roteirista, diretor, produtor e presidente da Lucasfilm, uma multi-facetada corporação de entretenimento.
Eu não estou aqui hoje como um diretor ou roteirista, nem como produtor, ou como o presidente de uma companhia. Estou aqui como um cidadão do que acredito ser uma grande sociedade que está precisando de uma âncora moral para ajudar a definir e proteger seu patrimônio intelectual e cultural. Isso não está sendo protegido.
A destruição de nosso patrimônio cinematográfico, que é o foco de nossa preocupação hoje, é apenas a ponta do iceberg. A lei americana não protege nossos pintores, escultores, artistas, autores ou cineastas de ter sua obra de vida distorcida e sua reputação arruinada. Se algo não for feito agora para estabelecer claramente os direitos morais dos artistas, as tecnologias atuais e futuras vão alterar, mutilar e destruir para as futuras gerações as súbitas verdades humanas e o grande sentimento humano que talentosos indivíduos de nossa sociedade criaram.
Os direitos da obra são mantidos pelo seu proprietário até que, em última análise, sejam revertidos em domínio público. Obras de arte americanas pertencem ao público americano, são parte de nossa história cultural.
Pessoas que alteram ou destroem obras de arte e nosso patrimônio cultural por lucro ou como um exercício de poder são bárbaros, e se as leis dos Estados Unidos continuarem condescendentes com esse comportamento, a história vai, com certeza, nos classificar como uma sociedade bárbara. A preservação de nosso patrimônio cultural pode não parecer ser um assunto político tão sensível como “quando a vida começa” ou “quando ela deve terminar apropriadamente”, mas é importante porque vai no coração do que define a humanidade. A expressão criativa está no cerne de nossa humanidade. A arte é um esforço distintamente humano. Nós temos que ter respeito por isso se nós respeitamos a raça humana.
Essas desfigurações de agora são apenas o começo. Hoje, engenheiros com seus computadores podem adicionar cor aos filmes em preto e branco, modificar a trilha sonora, acelerar o ritmo e adicionar ou retirar material de acordo com o gosto filosófico dos detentores dos direitos da obra. Amanhã, uma tecnologia mais avançada vai ser capaz de substituir atores com “novos rostos”, ou alterar diálogos e mudar o movimento dos lábios do ator para garantir a sincronia. Em breve será possível criar um novo negativo “original” com todas as alterações que o detentor dos direitos da obra do momento desejar. Até agora, os detentores dos direitos da obra não têm sido totalmente diligentes na preservação dos negativos originais dos filmes que eles controlam. Para reconstruir negativos antigos, muitos arquivistas tiveram que ira a países orientais, onde filmes americanos foram melhor preservados.
No futuro vai se tornar cada vez mais fácil negativos antigos se perderem e serem “substituidos” por novos negativos alterados. Isto seria uma grande perda para a nossa sociedade. Não se pode permitir que a nossa história cultural seja reescrita.
Não há nada que impeça que filmes, gravações, livros e pinturas americanos sejam vendidos a entidades estrangeiras ou a gângsters egocêntricos e que eles mudem o nosso patrimônio cultural de acordo com seus gostos pessoais.
Eu acuso as empresas e os grupos, que dizem que a lei americana é suficiente, de enganar o Congresso e o povo por auto-interesse econômico próprio.
Eu acuso as corporações, que se opões aos direitos morais dos artistas, de serem desonestas e insensíveis ao patrimônio cultural americano e estarem interessadas somente em seu lucro trimestral e não no interesse a longo prazo da nação.
O interesse público é, em última instância, dominante sobre todos os outros interesses. E a prova disso é que até mesmo a lei de direitos autorais apenas permite aos criadores e seus herdeiros um tempo limitado para usufruir os frutos econômicos de seu trabalho.
Há aqueles que dizem que a lei americana é suficiente. Isto é um ultraje! Isto não é suficiente! Se fosse suficiente, porque eu estaria aqui? Porque John Houston teria sido sumariamente ignorado quando ele protestou contra a colorização de “Relíquia Macabra”? Por que os filmes são cortados e mutilados?
Deve ser dada atenção a esta questão da nossa alma e não, simplesmente, a procedimentos contábeis. Deve ser dada atenção aos interesses daqueles que ainda não nasceram, que devem poder ser capazes de ver esta geração como ela se viu e a geração passada como ela se viu.
Eu espero que vocês tenham a coragem de conduzir os Estados Unidos ao reconhecimento da importância da arte americana para a raça humana e de garantir a proteção adequada aos criadores desta arte – como é garantida aos criadores de muitas comunidades no resto do mundo.”
É… assim como nos filmes de George Lucas, as coisas mudam, não é mesmo?