- Gênero: Aventura
- Direção: Ridley Scott
- Roteiro: David Scarpa, Peter Craig
- Elenco: Paul Mescal, Denzel Washington, Connie Nielsen, Pedro Pascal, Joseph Quinn, Fred Hechinger, Tim McInnerny, Peter Mensah, Lior Raz, Yuval Gonen
- Duração: 145 minutos
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Quase 25 anos após promover uma catarse nas bilheterias e nas premiações, o legado de Gladiador é a de ter motivado Ridley Scott a continuar produzindo, a cada par de anos, um novo épico, que segue-se a outro, e outro, e outro, ininterruptamente. Foram tantas vezes que ele insistiu em investir no gênero, que ao retornar à sua gênese com a estreia de Gladiador II, não há um sentimento de retorno ao seu universo, mas de repetição diante dos excessos que ele efetivamente cometeu ao longo de sua filmografia. A sensação de que eventualmente o cineasta está sempre reencontrando inclusive aos cenários naturais já tantas vezes vistos não é um bom prenúncio para o seu novo longa, que chega carregado de uma expectativa que não se comunica com as obras recentes do cineasta, em uma coleção de repetições.
Ainda assim, existe uma diferença provocativa, principalmente entre o primeiro e essa nova adição ao seu catálogo de épicos. Se a aventura inicial era basicamente uma ‘jornada do herói’ tradicional, onde seguíamos o protagonista por uma via crúcis esperada de derrotas e sucessos em sequência, Gladiador II entende-se melhor como um bicho político, interessado nos bastidores do espetáculo e no que é preciso ser feito para manter seu funcionamento. Não apenas no que concerne esse status quo do clichê ‘pão e circo’ para o povo, mas a maquinaria que promove tais ascensões e quedas de seus personagens no círculo onde vivem. Vai além do jogo que o anterior promovia de jogar o público dentro de uma arena, para mostrar também como elas são construídas, em mais de um sentido.
Para isso, temos uma âncora para nos situar em cada cômodo, de maneira mais nuançada do que faziam os jogos de poder em torno do personagem de Joaquin Phoenix no original. O treinador de gladiadores vivido por Denzel Washington é esse guia livre de escrúpulos, que exatamente por isso se estabelece em todas as frentes possíveis, e nos convida a uma jornada de conhecimento em uma zona menos grandiosa. Ele é, a um só tempo, testemunha e agente dos eventos, e sua presença é crucial para manter Gladiador II vivo de propósitos, e cumprindo uma jornada sedutora junto ao espectador. O modelo que ele emprega na produção é uma forma de angariar o interesse coletivo por seu próximo ato, sempre tentando surpreender personagens e narrativas.
Se existe um crescimento do interesse do próprio filme com suas ações paralelas ao que o protagonista da vez dita, e isso carrega aspectos positivos a respeito de uma concentração de detalhes de bastidores do poder, o enfraquecimento da linha principal é nítido. O protagonista de Gladiador II é Lucius, filho do personagem de Russell Crowe no primeiro filme. Ainda que sua trajetória aproveite um tanto de recriações dos percalços do pai, aos poucos essa espinha dorsal vê suas amarras desgastarem, até sobrar um painel mais amplo sobre os interesses da produção. Se isso melhora o filme no quadro geral, tira a força do que o personagem central teria a oferecer, até percebermos que sua voz é quase dispensável.
De muitas maneiras, Gladiador II tem os mesmos problemas e facilitações de roteiro que outros filmes de Scott, principalmente seus épicos. O cineasta, quando não consegue um trabalho consistente de criação narrativa, apela para um campo lacunar que mais incomoda do que fortalece o andamento do material. A prova disso é um momento avançado da produção onde o protagonista pede a um aliado para realizar uma tarefa, e essa ação é toda coberta pelo filme, quando na maioria dos momentos os blocos correm aos saltos, sem a menor preocupação com o estado das coisas. Isso atravanca o filme em nome de um dinamismo que só o prejudica, ao deixar sua linha temporal correr frouxa.
Recém saído de Napoleão, Scott não parece ter mais controle sobre as ações de suas produções, por mais que exista a vontade de realizá-las, e algum discernimento para tal. Contudo, a realização é comprometida constantemente por elementos que parecem arremessados na tela de maneira gratuita, sem oferecer sentido ou qualidade ao material. Valha que a violência explícita aqui cresceu, se tornando mais condizente ao espírito de um tempo de barbárie, mas um filme não pode ser construído em um coletivo de predicados em constante fora de ordem. É como se Gladiador II, assim como os anteriores, parecesse uma realização pela metade, onde as qualidades para erguer um projeto cessam em determinado momento, e o espectador passa a acompanhar a falta de zelo com o material, de maneira indiscriminada. Aqui, isso ainda é potencializado por uma reverência ao original que mais prejudica o filme novo, não porque evidencie qualidades de outrora, mas porque estamos diante de um autor que precisa de uma base que ele não consegue mais construir sozinho.
Quando Washington está em cena, no entanto, tudo se aprimora. Seu personagem não apenas é o mais bem escrito, como sua trajetória é a que provoca interesse no filme. Em torno de Macrinus, todo o interesse do filme se alicerça, e podemos enfiar encontrar os méritos que a direção de Scott não deixa escapar. Em um título repleto de caricaturas, a começar por uma trupe de macacos canibais (!!!) que é apresentada e tira qualquer seriedade da produção, a interpretação magnética do vencedor de dois Oscars é o atrativo principal. Quando o espectador não tiver mais qualquer paciência com a falta de coesão, com as cenas de batalha filmadas de maneira displicente e com o protagonista que perde o rumo de sua narrativa, ainda é possível encontrar no astro de Dia de Treinamento o vetor para transformar uma produção com altos e baixos, em um espetáculo hipnotizante.
Um grande momento
Macrinus joga com os gêmeos