- Gênero: Aventura, Ficção Científica
- Direção: James Gunn
- Roteiro: James Gunn
- Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Bradley Cooper, Vin Diesel, Karen Gillan, Pom Klementieff, Chukwudi Iwuji, Will Poulter, Sean Gunn, Elizabeth Debicki, Maria Bakalova, Nico Santos, Sylvester Stallone
- Duração: 150 minutos
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Podemos comparar o Marvel Cinematic Universe (o tal do MCU) com uma cidade que abrigaria apenas condomínios intercalados, cada um com suas dimensões e domínios diferenciados e intercambiáveis, onde cabem diversas formas de pretensão de alcance, entre muitos de propostas tentadoras, embora não passem de projetos pré-fabricados. Nesse sentido, o condomínio Guardiões da Galáxia é, ao lado do condomínio Capitão América, não apenas os mais bem sucedidos, como os mais completos em conjunto; possuem elementos para agradar a qualquer morador, e não se furtam em entregar trabalhos de complexidade fora do comum, principalmente narrativa. O que é visto na estreia dessa semana Guardiões da Galáxia Vol. 3, saindo da metáfora geográfica, é um exemplar de cinema com o qual a Marvel ainda sonha em se acostumar.
Isso tudo não tem apenas a ver com alguma liberdade que Kevin Feige tenha dado a James Gunn como autor, mas com ele ter comprovado eficiência no que pretende contar, com as extensões de sua epopéia bem definidas, e aqui enfim devidamente costuradas. É um trabalho que não foi conseguido com a mesma lisura nos outros pomos particulares da Marvel, isso porque muitos deles contaram com intervenção de diversos autores diferentes a cada fatia. Aqui em Guardiões da Galáxia Vol. 3 vemos o arco dramático se fechar com tamanha coesão, que fica difícil imaginar que todo o percurso não tenha sido imaginado desde o início para esse desenvolvimento. São fissuras que vão se movimentando em uma mesma direção, em trabalho de alvenaria pouco comum em estruturas desenvolvidas no ritmo industrial que o conglomerado exige.
Dentro dessas possibilidades que limitam o trabalho até de autores consagrados como Sam Raimi, o que Gunn consegue aqui, no escopo dos três títulos mas particularmente neste terceiro capítulo, é invejável. Só aproximado de Capitão América: O Soldado Invernal, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é uma obra que não atesta apenas a maturidade de seu autor como contador de histórias, mas amadurece também seus personagens e a própria engrenagem coletiva do que é apresentado. Existe uma sofisticação imagética aqui, que demora a ser compreendida pelo espectador; não que ela demore a ser notada, mas por motivos de estupefação mesmo ‘a ficha demora a cair’, de que estamos longe de um produto industrial. E isso acaba também por mudar a compleição dos episódios anteriores da saga, pro bem ou… pro bem – só tem bem, nesse caso, nenhuma mudança diminui a trilogia, ainda que esse capítulo seja especial.
Impressiona o que é pretendido e alcançado no título, como um todo. Porque já vimos roteiros melhores do que outros na Marvel, e já vimos trabalhos de direção superiores também a outros, o difícil é encontrar um combo onde essas duas coisas não apenas conversem, como se encaixem. A harmonia presente é sintonizada porque Gunn está à frente dos dois campos, e porque ele tem uma visão completa de tudo que está colocando na tela, e não apenas visualmente. Em narrativa, o que é apresentado equivale ao fechamento de um ciclo de maneira muito consciente; vejam bem, não confundam (ou esperem) despedida propriamente dita – é a Marvel, pelo amor!!!, não diminuam o trabalho pela escala de trabalho de um grupo que pensa majoritariamente em monetização. O autor aqui está realizando uma ideia de encerramento, e o trabalho composto é entregue de maneira convincente, criando uma verossimilhança que abarca os personagens em toda sua extensão, e também os eventos presentes desde o primeiro filme, que se inicia ainda na Terra.
A profundidade de campo que é proposta em Guardiões da Galáxia Vol. 3 vai além dos processos que a produtora investe, porque muitas vezes aqui a lente está em primeira pessoa, de acordo com quem realiza a ação. Isso para um trabalho de proporcionalidade agigantada faz diferença, porque são eventos que acontecem com múltiplos pontos de vista segundo a execução. Desde o primeiro ataque, ainda em Luganenhum, percebemos que a ideia é expandir suas opções de material, por isso o filme tem esse foco que parece absoluto, mas que só serve para pontuar tais eventos. A dinâmica parte de um indivíduo, e a câmera passeia pelo foco dele, ultrapassa o de outros e se mantém fiel ao que está em contexto, que é explorar o campo e o contracampo com o mesmo interesse e capacidade. Temos a ação da cena, a que está fora da cena e breve fará parte dela, e a que está no fundo, que não cansa de acontecer.
Quanto à ideia narrativa, ela parece estar pronta desde a gênese do projeto. Em certo momento, um personagem ouve que ele não tinha entendido que toda a concepção o tinha incluído no centro; desde o início, Guardiões da Galáxia Vol. 3 deixa claro o direcionamento que propunha. Ainda assim, todos os personagens em cena estão em desenvolvimento de curva muito acentuada, com relevo nuançado sobre cada um deles. Além disso, cada um desses debruçamentos não tem a ver somente com esse capítulo da história, mas fecha um desenvolvimento que durou três filmes particulares, e pelo menos outros dois coletivos. O desenho de personagem do grupo não é apenas de conjunto, mas inclusive os tipos que surgem apenas aqui já entram em cena com uma história desenvolvida com muita camada, tais como Warlock e o Alto Evolucionário – feitos com maestria por Will Poulter e Chukwudi Iwuji, respectivamente.
Outro ponto que precisa ser realçado é o que destrava um outro lado em Guardiões da Galáxia Vol. 3, que ainda não vinha sendo experimentado nos longas anteriores – e que inclusive a Marvel não é fã. Mas Gunn chegou a um ponto de respeitabilidade, que conseguiu fornecer imagens de terror ainda mais evidentes que as tentadas por Sam Raimi em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Aqui, o pesadelo e a melancolia que invadem Rocket são oriundas de um passado apavorante, que é reconstituído através dos planos mais pesados que o MCU já cometeu, e que são absorvidos com eficiência por um filme que os detém, assim como também a alegria, e até uma certa esperança. No cerne da questão, está o clima de pesadelo e os personagens que parecem saídos de uma distopia doentia, e que impressionam até o choque, que o estúdio parece absorver com tranquilidade, esperando ser uma porta de entrada para próximas propostas com iguais riscos.
Todo o grupo de “guardiões” nunca esteve melhor, mas a dupla formada por Dave Baustista e Pom Klementieff é especial por ter muito a fazer, juntos e para o andamento da trama. Mas nem Chris Pratt, Zoe Saldana, Karen Gillan, ou Bradley Cooper e Vin Diesel são ofuscados, tendo todos espaço para ampliar nossa leitura de seus personagens. Nada disso faria muito sentido se estivessem dispostos a mais um produto da fábrica Marvel, e aqui não é o caso. James Gunn demonstra que sua pena estava afiada, mas sua lente não ficou atrás. Raras vezes o estúdio/editora conseguiu reproduzir em imagens o brilhantismo que o plano estático de um quadrinho consegue; Guardiões da Galáxia Vol. 3 é apinhado de uma decupagem exata, que compreende a luz que melhor se adequa a cada frame. Não é pouco vindo de um grupo que está preocupado com um desgaste natural, de fórmula e de interesse do público. Esperemos que uma obra de cuidado tão específico não sofra por um mal causado pelos exemplares anteriores, de fornadas cansadas. Aqui, nada está escolhido da maneira aleatória habitual, merece a atenção às minúcias que a formam.
Um grande momento
Muitos, mas o ataque principal em plano sequência não é um plano sequência qualquer, definitivamente