Drama
Direção: Nawapol Thamrongrattanarit
Elenco: Chutimon Chuengcharoensukying, Sunny Suwanmethanont, Sarika Sathsilpsupa, Apasiri Nitibhon, Thirawat Ngosawang, Padcha Kitchaicharoen
Roteiro: Nawapol Thamrongrattanarit
Duração: 117 min.
Nota: 9
Nawapol Thamrongrattanarit e Marie Kondo nasceram no mesmo ano. Ele tailandês e ela japonesa, se encontram tematicamente no sétimo longa-metragem do jovem cineasta, Happy Old Year, que não apenas cita Marie como parte de um processo de observar e tentar compreender o modo de organização pessoal, o que pode fazer parecer com que o filme seja uma versão ficcionalizada dos episódios do programa de TV da escritora. Para quem perdeu o fenômeno que foi ao redor da moça, ela desencadeou um positivo sentimento de desapego material em seus fãs e leitores, organizando não apenas os seus espaços físicos.
A protagonista Jean volta pra casa depois de um tempo na Suécia imbuída desse caráter desapegado e resolve desconstruir a atmosfera poluída da casa de sua mãe. Repleta de acúmulo material e emocional, os espaços abarrotados por Jean e sua família precisam dar lugar à proposta clean decorativa que a jovem designer de interiores quer aplicar à própria vida. Não demora para que percebamos que a personagem reluta em organizar o próprio passado, em encarar de frente suas decisões e acumula sujeiras encostadas na própria história, que virão a tona quando dividir jogar tudo fora, literalmente.
O filme é uma discussão sobre a natureza do desapego, o que está por trás daquela motivação desprendida de desfazer de laços materiais, e até onde o radicalismo em qualquer área e/ou conjuntura não é benéfico. Uma autoanálise talvez indique o que reside por trás de cada movimento de seguir adiante sem a prisão de objetos físicos, mas quando esse passo é dado com veemência, o interior talvez esteja também escondendo o essencial, que diferente dos arquivos reais não podem ser descartadas em sacos de lixo comuns e, se não acessadas, serão fantasmas a nos assombrar continuamente.
Essa linguagem narrativa talvez se aproxime da mensagem que a própria Marie Kondo utilize em sua espécie de “sessão de descarrego espiritual-coaching”, mas Nawapol não construiu apenas um filme melodramático sobre as consequências de lidar com o passado enterrado em si mesmo, e a capacidade de provocar mágoa com egoísmo e autocentrismo. Como também se trata de um filme sobre recriação estética e apropriação visual, sua discussão imagética se afasta do emocional e invade o concreto. A simetria de planos e as linhas exatas com que a câmera passeia pelos quadros nos remete ao trabalho de Kogonada em Columbus, sem o rigor expressivo. Há aqui uma leveza de movimentos fílmicos que consistem em reafirmar a dialética sensorial do projeto.
De começo prático e assertivo, Happy Old Year cresce dramaticamente quando mergulha no passado recente de sua protagonista para decifrar (sem que o roteiro precise sublinhar) os elementos que a transformaram. Em determinado momento assistimos uma arqueologia pictórica sobre um passado recente que é uma verdadeira escavação emocional ancestral, a investigar rostos, olhos, corpos e elementos cênicos. Moldada à praticidade e ao minimalismo no hoje, essa sequência evidencia o quanto de Jean desapareceu em poucos anos soterrados em fuga. O trabalho conceitual e artístico do filme é elevado ainda mais a partir dessa passagem, que revela uma mulher estranha que não se comunica com o seu presente.
Apesar de lidar com essa espécie de busca arqueológica externa que acaba revelando artefatos muito mais internos, a produção tailandesa emociona sem arraigar em absoluta sua placidez e até um certo humor pontual – o trombone na trilha sonora usada de maneira tão parcimoniosa indica a delicadeza inerente a um projeto que trafega na ponta dos pés pelos temas que incide. O processo aberto em cena indica uma intenção profunda de tanto emoldurar o passado como de superá-lo, sabendo que somos amálgamas de tudo que vivemos e provocamos em outras existências. Um filme que vasculha interiores, mas com a suavidade oriental de provocar os mais sutis furacões existenciais.
Um Grande Momento:
“Viva com sua culpa.”
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