Crítica | Outras metragens

Kini

(Kini, URU, 2020)

  • Gênero: Ficção
  • Direção: Hernán Olivera
  • Roteiro: Hernán Olivera
  • Elenco: Águeda Restaino, Gabriela Fumía, Maria Elena Perez, Pablo Sintes, Rodolfo Requejo, Natalia Chiarelli, Alejandro Busch
  • Duração: 11 minutos
  • Nota:

Em 1991, Mario Monicelli levou ao cinema Parente É Serpente. A trama girava em torno de um casal de idosos que recebia seus filhos para o Natal e tinha que decidir com que filho moraria a partir de então. O filho seria o herdeiro da casa. Eu me lembrei muito do filme italiano assistindo ao curta uruguaio Kini. Tanto nessa relação com a matriarca como nas inter-relações entre os irmãos.

Aqui, a mãe acabara de ganhar muito dinheiro em um bilhete premiado na loteria que dá nome ao filme. Primeiro desacreditada pelos filhos, que fazem chacota dela, depois precisa assistir a uma verdadeira briga pelo dinheiro do prêmio. Hernán Olivera constrói boa parte de sua narrativa em torno da mesa da copa, com planos que determina cada um dos personagens. O filho preguiçoso, a filha que cuida, o filho que deu certo na vida, a nora metida à granfina e a filha fútil têm um dedicação maior da câmera, sobrando pouco tempo de exposição para a mãe.

Kini (2020)

A escolha estética é fundamental para demarcar a relevância da personagem para os outros personagens da história. Incluindo aqui a relação desigual de mãe e filhos, e a expectativa social do papel desempenhado. É algo bastante simples e sutil, mas é aí que está o grande acerto de Kini.

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O modo como ele é montado para destacar a mudança de sentimento quando o individualismo surge e as pessoas param de pensar em qualquer outra coisa é efetivo. Assim como a pontuação do tom. A atitude, extremamente humana, é exposta com um humor ácido, que por um lado camufla a crueldade da situação e, por outro, a destaca, chegando ao extremo ainda fazendo rir. Seria, como diz Ítalo Calvino, a segunda forma de lidar com o inferno dos vivos.

Kini (2020)

Com tomadas habilidosas e um elenco que responde bem à proposta do diretor, o filme não tem nenhuma pretensão a não ser a de fazer rir com a história esdrúxula e a deturpação que só o dinheiro pode trazer. Até a melancolia é transformada em humor, resolvendo o problema e acompanhando a senhora em sua opção de vida.

Em sua simplicidade e pegando emprestado o humor sempre tão certeiro dos italianos, Kini fala de muitas coisas e reafirma aquilo que Monicelle escancarou nos início dos anos 1990. Se há dinheiro no meio da história, qualquer um, até aquele que você jamais imagina, tem tudo para virar uma víbora.

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”

Ítalo Calvino

Um grande momento
Melhor não chamar a polícia.

[31º Curta Kinoforum]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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