- Gênero: Comédia
- Direção: Richard Linklater
- Roteiro: Richard Linklater, Vincent Palmo Jr.
- Elenco: Guillaume Marbeck, Zoey Deutch, Aubry Dullin, Bruno Dreyfürst, Benjamin Clery, Matthieu Penchinat, Pauline Belle, Blaise Pettebone, Benoît Bouthors, Paolo Luka Noé, Adrien Rouyard, Jade Phan-Gia, Jodie Ruth-Forest
- Duração: 106 minutos
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A primeira ironia de Nouvelle Vague é que ela não tem nada de nova. Richard Linklater, o cineasta americano que fez do tempo e da conversa suas grandes marcas, volta ao berço da modernidade cinematográfica – a França dos anos 1960 – para filmar o nascimento de um gesto de ruptura. Porém, o faz com toda a reverência e contenção de quem filma um monumento. O resultado é um filme sobre a revolução do cinema feito da forma mais obediente possível, em uma narrativa clássica, de três atos, com cenas de bastidor que parecem saídas de um making of autorizado, e um olhar que transforma a irreverência em vitrine.
Em vez de repetir o gesto insurgente de Jean-Luc Godard, Linklater o contempla à distância, como quem visita um museu. Reencena os bastidores de Acossado com apuro estético, figurinos impecáveis e uma mise-en-scène cuidadosa, sem jamais deixar que o descontrole, o improviso ou a pulsão da época contaminem seu filme. Os enquadramentos, os diálogos, a música, tudo parece calculado para homenagear, não para reviver. Além de trazer vários nomes famosos – para o deleite da plateia cinéfila – a câmera observa o jovem Godard em seu caos, acompanhado de perto por Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, mas o faz com a sobriedade de quem prefere o retrato ao movimento.
Até há beleza nesse controle. Linklater é um cineasta hábil, e sabe onde colocar o peso de um olhar. O preto e branco, o uso de travellings discretos e a luz difusa dos sets recriados em estúdio constroem um espaço visual elegante; uma Paris idealizada, em que até a rebeldia tem enquadramento. Essa elegância, porém, trai o tema. O filme fala de juventude e desobediência, mas seu corpo é velho. Fala de ruptura, mas não se permite romper.
Em certo sentido, Nouvelle Vague acaba sendo o oposto do que pretende retratar. Se Godard acreditava que o cinema deveria nascer do acaso e da imperfeição, Linklater tenta controlar o acaso. É o cinema da inquietação transformado em peça de exposição, a heresia convertida em liturgia. Cenas de Acossado caem no lugar de reproduções exatas, museificadas. Ao fazer isso, o filme levanta uma questão incômoda: é possível filmar o nascimento da liberdade sem enquadradá-la?
Ainda assim, há momentos de brilho quando Linklater se permite observar o atrito entre forma e desejo. Nas cenas em que o jovem Godard se irrita com o produtor, hesita diante da câmera ou duvida do próprio talento, o filme se engrandece. A figura do artista como contradição – arrogante e inseguro, genial e tolo – aparece viva. Mas logo o controle volta, a trilha sobe, a montagem fecha e a rebeldia se resolve em harmonia.
Assim, Nouvelle Vague é um filme da distância entre o espírito e a forma. Fala de quando o cinema era um gesto político, mas o faz com o conforto da reconstrução. Godard filmava o agora. Linklater filma o passado. O primeiro inventava o caminho enquanto andava; o segundo reconstitui o caminho já pavimentado. Nesse contraste, o filme encontra, talvez sem querer, o seu sentido. Ele não repete a revolução, mas confessa que ela já não é possível.
É uma obra sobre a nostalgia da rebeldia. Em seu paradoxo, Linklater cria um retrato de sua própria geração: são filhos do cinema moderno que conseguem apenas homenagear o gesto que os libertou.
Um grande momento
Descobrindo como será o estilo Godard no primeiro dia de filmagem


