Crítica | Outras metragens

In the Shadow of the Cypress

Amor de filha

Há narrativas que florescem nas sombras de uma memória não dita. In the Shadow of the Cypress ecoa esse tipo de silêncio. Um ex-capitão com transtorno pós-traumático vive isolado à beira-mar com a filha. Ali, os dias são marcados pelo abandono interno e por um barco que se recusa a afundar. Não há palavras, apenas gestos e silêncios que carregam peso e urgência.

O cipreste que dá nome ao filme é mais do que paisagem, é símbolo de resistência e dignidade; faz parte da cultura persa e da estrutura emocional que sustenta a narrativa. É sob essa sombra que tudo acontece, como se o passado do pai e o desejo de cura da filha estivessem enraizados num mesmo ponto. A estética é mínima, mas não fria. A vida em duas dimensões e pouca cor revela cada fissura com precisão.

A animação não busca seduzir com beleza fácil. Os frames são contidos e desenhados com cuidado. A água pinga com peso, as nuvens deslizam como memória e quando a filha encontra uma baleia encalhada, seu gesto é silencioso, quase como uma reverência. O pai, em contrapartida, reage com a fúria de quem revive o trauma no corpo inteiro. A baleia torna-se mais do que um animal, passa a ser tudo o que ficou encalhado: a dor, o luto e a memória que está igualmente presa.

O filme alterna entre presente e lembrança. Do naufrágio à perda da esposa, leva ao surgimento do colapso. Tudo costurado por uma montagem que respeita o tempo interno da dor. Enquanto a filha insiste no cuidado, no gesto pequeno que sustenta, o pai resiste até entender que para libertá-la, precisa também libertar a si mesmo. Quando faz isso, seu gesto não é heroico, é a única saída.

A escolha estética de In the Shadow of the Cypress é íntima, feita à mão e com texturas que se desfazem. As cores murmuram tristeza: cinzas, azuis espessos e laranjas apagados marcam a tela. O som não explica muita coisa. O rumor da água, o bater das asas e o silêncio entre pai e filha apenas acompanham o passar do tempo. Tudo se move como o mar, indo e vindo, sem pressa e sem pausa.

A filha é o centro daquilo que permanece, cuidando sem exigência, observando sem pressa e insistindo mesmo sem resposta. É por ela que a história segue. É por ela que a baleia ainda respira. Quando o barco parte, levando o que não cabe mais na terra firme, o que fica é o vínculo. O amor que não precisa ser dito para ser entendido.

In the Shadow of the Cypress não ensina, não conclui, não fecha, apenas mostra. Deixa que a imagem se instale e que a emoção amadureça. Quando termina, o que resta não é uma resposta, mas uma sensação que permanece flutuando. Como se alguma parte de nós também estivesse ali, de pé, à beira da água, na sombra daquele cipreste que nunca se curva.

Um grande momento
Uma baleia

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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