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À Deriva

(À Deriva, BRA, 2009)

Existe uma época na vida em que todas as coisas parecem estar fora de lugar. Sentimentos e sensações se confundem e existe uma oscilação constante entre a inocência e a maturidade. É a adolescência que chega com a fúria dos hormônios e a dureza de coisas que não víamos ou prestávamos atenção antes.

O novo filme de Heitor Dhalia fala justamente desta transição. Com um tom bem pessoal e mais próximo da realidade, depois das obscuridades de Nina e das excentricidades de O Cheiro do Ralo, À Deriva, roteirizado por Dhalia em parceria com Vera Egito, traz um pouco da vida do próprio diretor, apesar de, como ele mesmo diz, não ser biográfico.

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Na tela vemos a vida segundo os olhos de Felipa, de catorze anos, que ao mesmo tempo está descobrindo sua sexualidade, tem que conviver com o casamento falido de seus pais e aprender a lidar com a infidelidade.

Os poucos diálogos e o modo mais sensitivo do filme ganham muito com a fotografia estonteante de Ricardo Della Rosa, que soube aproveitar muito bem o visual de Búzios em todas suas tonalidades e luzes para criar quadros perfeitos.

O elenco é surpreendente. Débora Bloch, afastada há algum tempo das telonas, surpreende ao dar vida à Clarice, mãe amargurada que sempre precisa de mais uma dose para superar o triste momento de sua vida. Seu marido, Matias, é vivido pelo cultuado ator francês Vincent Cassel. Os dois juntos quase não precisam falar e conseguem passar toda a negatividade da relação com trocas de olhares e o tom sarcástico da voz.

Mesmo com toda a qualidade dos dois atores, porém, quem chama mesmo atenção é a novata Laura Neiva. Descoberta pelo Orkut, aos quinze anos, ela consegue levar o papel com uma competência impressionante.

Para os outros personagens infanto-juvenis também foram escolhidos jovens sem experiência como atores e o resultado foi positivo. A turma de adolescentes não poderia ser mais natural. Até o galã Cauã Reymond aparece pra fazer uma pontinha. O único problema fica com o outro nome estrangeiro da produção. A americana Camilla Belle está muito aquém dos demais e parece não se sentir nunca à vontade.

A direção de arte também é bem interessante e, de forma sutil, com elementos aqui e ali, despistam a época dos acontecimentos. Claro que a história da morte da socialite Ângela Diniz inserida no meio da trama já seria elemento suficiente para essa localização temporal, mas cinturas altas, shortinhos da Tico, blusas estilo K&K e sapatilhas reebok (o figurino anos 80 é assinado pelo estilista Alexandre Hercovich) levam a história para alguns anos depois e outros detalhes, como um gloss, trazem o filme para o presente. Embora tenhamos uma idéia de que aquilo aconteceu no passado, não sabemos precisar quando.

Outro ponto alto é a trilha sonora de Antônio Pinto que parece conseguir juntar na partitura a beleza da natureza local e a melancolia da história.

Muitas semelhanças com o cinema francês e o novo cinema argentino podem ser percebidas, tanto no desenvolvimento do tema quanto no ritmo comtemplativo, que pode não ser uma unanimidade, mas é perfeito para a história.

Embora o final não tenha conseguido falar tão alto como o resto do filme é uma grande e bela experiência. Daquelas que fazem a gente daqui sair do cinema orgulhosa.

Imperdível, mas é bom já entrar na sala sabendo que não vai ver mais um filme com a batida e artificial estrutura estadunidense que costuma frenquentar os cinemas brasileiros.

Um Grande Momento

O constrangimento que paira no ar junto com a história do novo livro.

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Drama
Direção: Heitor Dhalia
Elenco: Laura Neiva, Débora Bloch, Vincent Cassel, Cauã Reymond, Camilla Belle
Roteiro: Heitor Dhalia, Vera Egito
Duração: 97 min.
Minha nota: 7/10

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
3 Comentários
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gabi
gabi
20/08/2009 06:07

Meu deus!!! preciso vir mais aqui!!! faz tempo que você acompanha o meu blog e não sabia que você fala sobre um assunto que mais gosto nessa vida!!! estou até com vergonha!! me desculpa?? mas antes tarde do que nunca né?! obrigada por estar lá há tanto tempo e pode ter certeza que agora vou seguir você SEMPRE! beijos!

Ygor Moretti Fiorante
Ygor Moretti Fiorante
07/08/2009 20:28

Não Vi Cheiro do Ralo, mas adorei Nina, foi meu primeiro Post no Blog rss, esse parece ser mais um bom trabalho do Heitor e em particular, gostei bastante do cartaz.

Abraço!!!!!!!

Vinícius P.
Vinícius P.
06/08/2009 08:56

Todo mundo está falando muito bem desse filme, o que me deixa bem satisfeito visto que adoro o cinema do Heitor Dhalia – torço para que fique tão encantado por esse "À Deriva" quanto em seus filmes anteriores.

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