Crítica | Streaming e VoD

Infiesto

Destinos melancólicos

(Infiesto, ESP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial
  • Direção: Patxi Amezcua
  • Roteiro: Patxi Amezcua
  • Elenco: Isak Ferríz, Iria Del Río, Juan Fernández, José Manuel Poga, Andrea Barrado, Ana Villa, Isabel Naveira, Luis Zahera, Antonio Buíl
  • Duração: 93 minutos

Da enxurrada de estreias da Netflix deste dia, não se pode negar que a mais interessante entre tantos ‘quases’, é esse policial espanhol, Infiesto. Nada tem de revolucionário em seu desenvolvimento, mas existe um dado que foi acrescido à narrativa que fornece urgência ao seu entorno: a pandemia de covid-19 é um dos personagens aqui. Não que isso seja crucial para definir alguma coisa, mas a presença nefasta do princípio do resto de nossas vidas coloca em cena um componente ainda mais melancólico a um universo já deprimente e sem esperanças. É como se aqueles tipos estivessem sendo amaldiçoados repetidas vezes e sem chance de reparação, condenados a viver em um tempo de sucessivas perdas.

O filme se passa nos primeiros 10 dias de confinamento, onde uma dupla de detetives se vê em meio ao fim de um sequestro e início de uma investigação a respeito de um provável sequestrador em série, que pode ou não ter matado suas vítimas. A separação de seus entes provocado pelo lockdown, acrescido às pressões que sofrem pela necessidade de respostas junto à opinião pública, e as questões romântico-familiares envolvendo esses personagens, não é uma receita de uma produção escapista qualquer. Ainda que anseie a diversão, Infiesto se encarrega de situar o espectador no momento-chave de três anos atrás, quando estávamos prestes a perder ainda mais do que já havíamos perdido, de maneira subjetiva. 

É dessa tristeza intrínseca, com muitas camadas existentes em lacunas que o filme abre pelo caminho, que Infiesto cria suas bases. Enquanto a detetive Castro lida com a saudade de um namorado que está vivendo no isolamento dentro da própria casa, seu parceiro Garcia não consegue visitar a mãe que está internada numa clínica para idosos, e sofre com a separação da esposa. São dois amigos de faixas etárias diferentes, mas que se reconhecem em suas angústias. É um afastamento das emoções que se completa com a chegada desses crimes hediondos contra mulheres e crianças, que acaba agregando ainda mais solidão e afastamento aos protagonistas, que se veem constantemente sozinhos. 

Apoie o Cenas

Infiesto é uma clara evolução na carreira de Patxi Amezcua, que há 10 anos atrás “cometeu” Sétimo, um enorme sucesso protagonizado por Ricardo Darín e Belén Rueda, que no entanto tinha quase nenhuma qualidade. Aqui, o quadro é quase oposto; a construção da atmosfera desolada daquela região da Espanha se comunica à perfeição com os personagens e com a ideia de destruição em massa (principalmente do nosso psicológico) que a pandemia nos arremessou. Toda a sensação de desespero latente e crescente que foi sendo observado em março de 2020 está aqui, que começa com um susto que parece passageiro e vai se transformando em horror contínuo e real. 

Como se fora uma grande parábola a respeito dessa desarmonia que fomos entrando lentamente há três anos atrás, Infiesto também propaga essa ideia, de um crime que parece solucionado e que só vai se complexificando até, ao fim e ao cabo, a explicação provocar alguma frustração. Nesse manancial de referência ao contemporâneo, é propositivo que o filme se encerre com dúvidas em relação à sua espinha dorsal, o que acaba se refletindo no último plano do filme, quando Castro olha por uma janela, atônita com a chegada de um futuro absurdo. As duas tramas então desembocam para o mesmo alvo, o da incredulidade diante do crescimento de algo inexplicável – é apenas horrível mesmo, sem precisar de algo maior. 

Não posso deixar de elevar os trabalhos de Isak Ferríz e Iria Del Río ao encabeçar o elenco. São performances complementares, mas de matrizes muito similares, que conversam sobre esse ponto em comum, a catatonia rumo ao caos. Enquanto Del Río responde aos estímulos em uma chave mais íntima, para se erguer ao final, Ferríz acaba por explodir em alguns momentos, mostrando lados daquele homem que parecem adormecidos. Tudo isso é conjugado por um filme que, a despeito do roteiro até formulaico, ainda esconde em seu desenvolvimento cinestésico a capacidade de nos fazer submergir em uma tragédia que estava apenas começando, para todos nós. 

Um grande momento

A tortura

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

1 Comentário
Inline Feedbacks
Ver comentário
Alexandre Figueiredo
Alexandre Figueiredo
23/03/2023 22:39

O início do confinamento imposto pela pandemia não foi fácil. No filme os detetives sofrem com isso também.

Botão Voltar ao topo