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Influencer de Mentira

Monstros virtuais

(Not Okay, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Quinn Shephard
  • Roteiro: Quinn Shephard
  • Elenco: Zoey Deutch, Mia Isaac, Dylan O’Brien, Nadia Alexander, Negin Farsad, Tia Dionne Hodge, Kirk White, Karan Soni, Dash Perry, Sarah Yarkin, Brennan Brown, Embeth Davidtz
  • Duração: 100 minutos

É lógico que Danni Sanders é uma pessoa horrorosa, daquelas facilmente ridicularizadas e que ninguém deveria lembrar, que dirá se espelhar. A protagonista de Influencer de Mentira, estreia de hoje do Star+ com esse título em português que sugestiona uma produção mais humorada do que realmente é, no entanto não está sozinha, no filme ou no mundo. O que acompanhamos na produção é quase uma versão light e sob novas perspectivas de @Arthur.Rambo, mas a base de comunicação é a mesma. Estamos endeusando rápido demais pessoas que a princípio não tem nada a oferecer além de seus valores deturpados, deixa cada vez mais claro que esses valores estão muito mais disseminados do que gostaríamos de acreditar. E tudo isso passa pela internet, caminhão de lixo coletor de todas as porcarias que acontecem no mundo hoje. 

O filme começa com uma cartela nos aconselhando a respeito de sua personagem principal, de como seu caráter está deturpado. É uma piada que faz parte da narrativa que será acompanhada a partir dali, mas essa cartela não informa que o espelho na frente de Danni reflete nós mesmos. A jovem vivida com diferentes graus de disponibilidade por Zoey Deutch (de Antes que eu Vá) não age muito diferente de muitas pessoas que conhecemos, e talvez cada um de nós, que lemos ou escrevemos esse texto – aí eu, em específico – já tenhamos ultrapassado todos os limites da decência, como ela. Mentiras, pequenas ou grandes, contadas na internet a título de ganhar uma atenção que nunca foi conseguida: quem nunca? Os limites ultrapassados por Danni são imensos, mas ela não está sozinha. 

Quinn Shephard é uma atriz que está em seu segundo longa-metragem, e propõe uma desconstrução de gênero cinematográfico efetivo para o espectador. Entramos para assistir uma comédia de viés pós-adolescente, daqueles títulos sobre personagens perdidos no início da vida adulta, que tem tido alguma frequência de produção. Na verdade, trata-se de um drama muito sério sobre assuntos que o filme não consegue ou não quer aprofundar ainda mais do que faz. A partir do momento em que revela-se sua face mais adensada, Influencer de Mentira deveria criar uma aproximação mais adequada de seus temas, que parecem ter a rapidez que um cinema mais veloz exige, e isso deixa de ser o caso muito prontamente. 

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A diretora não permite que seu roteiro mergulhe de verdade no que rodeia, e com isso seus personagens (além da protagonista) não conseguem ultrapassar as dimensões necessárias para um contorno de qualidade. Uma personagem como Harper, por exemplo, é um retrato ambíguo dos problemas do filme, mas também é um retrato social exacerbado. Na ânsia de trazer à tona o que de pior está em cena, ela acaba se tornando tão ou mais perniciosa que a protagonista. Isso se dá porque o filme não se debruça na personagem, mas também ela é a prova do que o filme tenta denunciar – estão (quase) todos no mesmo barco, sendo vítimas e algozes de um mesmo tempo. O roteiro não foi decupado o suficiente, precisaria de mais algumas revisões para dar contornos mais adequados ao resultado, que poderia estar em outra seara. 

A mudança de tom do filme não deixa fugir um dado de paranoia que vai sendo acrescido aos poucos na narrativa, e que conversa com sua discussão a respeito da violência. Danni, que não sofreu nenhum ato, passa a ser assombrada por fantasmas que existem, mas que ela não teve contato. O filme lida com essa questão muito delicada da falta de segurança psicológica que atinge não apenas os afetados diretamente por um evento traumático, mas todos que minimamente ouviram falar do mesmo. O que isso cria de material imagético pro filme vai se moldando aos poucos até percebermos que muitos dos monstros que criamos são nossas versões adoecidas, reafirmando que o horror que habita o mundo também está dentro de cada um de nós. 

São mais do que vislumbres de criatividade que habitam Influencer de Mentira, mas que acabam por esbarrar nessa ausência de zelo com um roteiro que estava muito bem encaminhado. O potencial para ir mais além é muito palpável, e o filme tem consciência de que sua premissa renderia uma produção de qualidade. O bom elenco contribui com o possível para que a voz da produção pudesse ser ouvida com melhor qualidade, mas não é suficiente para apagar suas deficiências. Ainda assim, é um belo exemplar de como a necessidade de aceitação acaba nos jogando em uma vala comum para que nos igualemos a todos, incluindo os que não prestam. 

Um grande momento
O sonho de Danni

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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