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Última Chamada para Istambul

A evolução do romance turco

(Istanbul Için Son Çagri, TUR, 2023)
Nota  
  • Gênero: Romance
  • Direção: Gönenç Uyanik
  • Roteiro: Nuran Evren Şit
  • Elenco: Kivanç Tatlitug, Beren Saat, Rebecca Packer, John Bradford, Shayan Ardalan, Chase Lanting
  • Duração: 88 minutos

A maior audiência da Netflix na atualidade é uma estreia da última sexta-feira, mais um da coleção de produções turcas que fazem do país o que talvez seja hoje o maior mercado produtor de material inédito da plataforma, abaixo somente dos Estados Unidos. É muito estranho tentar entender porque as pessoas preferem dar play e escolhem fazê-lo em uma produção sem atores conhecidos, mas Última Chamada para Istambul tem uma pegadinha, que não está na sinopse nem é bom de procurar saber antes de ver, porque isso é o molho do filme. A duração curta da produção nos ajuda a chegar mais rápido até ela, e a ‘roupa’ que o filme veste tem nossa atenção desde o início, mas depois que o ‘plot’ é revelado, entendemos porque tudo parecia demasiadamente estranho. 

Essa estranheza só passa após a metade da projeção, quando teremos acesso ao quadro geral. O que nos é apresentado acerca do encontro de dois estranhos vindos da Turquia que se conhecem no aeroporto ao pousar em Nova York. Ela perde sua mala e ele se prontifica a encontrar a pessoa que a levou, por engano. Isso cria um laço entre eles, que resolvem passar um dia juntos enquanto esperam pelo retorno da mala. Como ambos são casados, imaginam um pacto de não falar os nomes reais um pro outro, e não voltarem a se encontrar após esse dia. A premissa, como podem ver, é interessante, e tem todos os motivos para dar errado em suas certezas… e dá. É quando então Última Chamada para Istambul começa, de fato, e mostra seu lado menos leve. 

Existe sim esse campo de atração que atenta para a comédia romântica inicial, com os créditos de abertura em animação, e essa ideia de ‘vaudeville’ inicial que poderia remeter a Essa Pequena é uma Parada de Peter Bogdanovich, mas isso é claramente um ‘ouro de tolo’ para enganar os incautos. O verdadeiro filme começa na manhã do dia seguinte após a noite de aventuras de Ryan e Samantha – os codinomes escolhidos pelos estranhos para que seu descarte posterior seja mais facilitado. A partir de então, todos os diálogos até então, que pareciam sugerir uma determinada personalidade a um e outro, adquirem novo significado, e Última Chamada para Istambul se mostra um veículo para a discussão sobre o determinado tempo das coisas, o quanto duram e se valem a pena que sejam arrastadas até um fim amargo. 

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Após vencer essa metade inicial de envolvimento mais complicado, com a clareza dos eventos mesmo essa escolha primeira parece confirmar as discussões que virão a seguir. A partir daí, Última Chamada para Istambul oferece um painel sobre a falta de diálogo e as consequências de uma relação onde não se procure conhecer o que se passa pela cabeça do outro, exatamente um paralelo do que essa situação inicial desenha. É uma conversa direta que eleva o que estamos vendo, e que acaba por inserir esse universo cheio de mistérios em uma ideia mais ampla de relacionamentos, que não tendem a durar caso esclarecimentos sejam feitos. Não tem a ver com traição propriamente dita, mas em como a perda da capacidade de comunicação faz ainda mais mal quando se quer manter algo. 

Entram em cena as contradições que deveriam estar na pauta de qualquer relação, seja ela de começo intempestivo ou de duração estendida. Como conquistar uma linha de confiança mediante a falta de diálogo, ou a ausência de informações, que sustente a paixão? Última Chamada para Istambul cria um campo de situações aplicáveis em tantas histórias distintas que vão desde o primeiro encontro até o fim de um casamento, tanto em discurso quanto em ações. Não é necessariamente algo fora do comum, mas sua virada dramática propicia que estejamos diante de um produto menos pasteurizado, e com um olhar cinematográfico um pouco menos engessado do que produtos Netflix costumam ser. A substância que o diretor Gönenç Uyanik consegue para o seu filme já o faz merecer a atenção do espectador acostumado a bem menos que isso. 

Quando lembramos que romance vindo da Turquia e produzido pela Netflix geralmente é associado a Táticas do Amor, Última Chamada para Istambul cresce ainda mais. Por mais que o país venha aprimorando no que tem entregue para o streaming, especificamente essa produção mais leve tinha evoluído pouco. Quando pensamos que essa primeira parte daqui é quase um deboche com esse tipo de produção mais exagerada e esteticamente feia, o trabalho da roteirista Nuran Evren Şit é uma evolução evidente de mais um gênero onde o país começa a se especializar.

Um grande momento

A confusão da verdade no dia seguinte

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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